Existe uma aura romântica envolvendo a atividade de lavador de pratos. Ao menos, foi isso que eu vi em vários filmes, colunas biográficas e em alguns livros que passaram pelas minhas mãos. Basicamente são histórias parecidas, mas que nem por isso perdem em charme. Chegar a uma cidade distante, ou a outro país, e empregar-se, meio período, num restaurante oriental. Lavar pratos e depois sair em pesquisa, sedento pelas novidades do lugar. Que ótimo!
É admirável o desprendimento daquele que vai tentar a vida num país longínquo. Um estrangeiro, muitas vezes movido por projetos artísticos ou ressaca de crises existenciais, instalando-se na primeira espelunca e, é claro, lavando pratos. Eu mesmo, pensando na hipótese, sempre me imaginava em Paris, caminhando pela Champs-Elysées ou escrevendo poesia sentado às mesas dos cafés no fim de tarde. As mãos ainda estariam cheirando a detergente no momento em que uma bela francesa, interessada em meus escritos, se aproximaria da mesa. Conversaríamos encantados sobre literatura, cinema e outras afinidades. A paixão seria inevitável.
Outras vezes, pensava em mim como empregado de um restaurante chinês em Nova York. Bruce Lee lavou pratos na América e eu moraria no Harlem. Passaria a freqüentar religiosamente as igrejas batistas aos domingos para me deliciar com o gospel. Testemunharia o blues nas esquinas. Anos mais tarde, após tornar-me alguém na Big Apple - cidade essa que nos primeiros anos parecia-me tão grande e opressora -, voltaria ao meu país de origem e ainda sob os ruídos dos festejos de boas-vindas, relembraria, vencedor, num programa de entrevistas ’’Pois é, comecei lavando pratos...’’.
Devaneios como esse são como amuletos, estão sempre comigo, como se presos num cordão de chita. Eles me confortam principalmente nas horas-extras e nos finais de semana, onde o movimento é maior e o horário de saída torna-se uma incógnita. Me sirvo de todo o tipo de bobagens - como a de enxergar algo de romântico em ter que trabalhar em frente à pia - para não sucumbir ao desejo de quebrar todos os pratos, chutar o patrão ou mesmo alguns dos clientes que insistem em conhecer a cozinha. A viagem à França ou para o blues da América, eu não fiz ainda. O que não me impede de usar o lugar comum e sentir-me um estrangeiro nesse mundo que o meu bairro oferece.
Além do movimento de sábado à noite no restaurante, o que menos me alegra é a ineficácia do meu avental. Pois não cheguei ao final da segunda rodada de porcelanas sujas, mas já posso sentir que uma incômoda umidade já chegou às minhas roupas de baixo. Espero que o ralo não entupa.
É admirável o desprendimento daquele que vai tentar a vida num país longínquo. Um estrangeiro, muitas vezes movido por projetos artísticos ou ressaca de crises existenciais, instalando-se na primeira espelunca e, é claro, lavando pratos. Eu mesmo, pensando na hipótese, sempre me imaginava em Paris, caminhando pela Champs-Elysées ou escrevendo poesia sentado às mesas dos cafés no fim de tarde. As mãos ainda estariam cheirando a detergente no momento em que uma bela francesa, interessada em meus escritos, se aproximaria da mesa. Conversaríamos encantados sobre literatura, cinema e outras afinidades. A paixão seria inevitável.
Outras vezes, pensava em mim como empregado de um restaurante chinês em Nova York. Bruce Lee lavou pratos na América e eu moraria no Harlem. Passaria a freqüentar religiosamente as igrejas batistas aos domingos para me deliciar com o gospel. Testemunharia o blues nas esquinas. Anos mais tarde, após tornar-me alguém na Big Apple - cidade essa que nos primeiros anos parecia-me tão grande e opressora -, voltaria ao meu país de origem e ainda sob os ruídos dos festejos de boas-vindas, relembraria, vencedor, num programa de entrevistas ’’Pois é, comecei lavando pratos...’’.
Devaneios como esse são como amuletos, estão sempre comigo, como se presos num cordão de chita. Eles me confortam principalmente nas horas-extras e nos finais de semana, onde o movimento é maior e o horário de saída torna-se uma incógnita. Me sirvo de todo o tipo de bobagens - como a de enxergar algo de romântico em ter que trabalhar em frente à pia - para não sucumbir ao desejo de quebrar todos os pratos, chutar o patrão ou mesmo alguns dos clientes que insistem em conhecer a cozinha. A viagem à França ou para o blues da América, eu não fiz ainda. O que não me impede de usar o lugar comum e sentir-me um estrangeiro nesse mundo que o meu bairro oferece.
Além do movimento de sábado à noite no restaurante, o que menos me alegra é a ineficácia do meu avental. Pois não cheguei ao final da segunda rodada de porcelanas sujas, mas já posso sentir que uma incômoda umidade já chegou às minhas roupas de baixo. Espero que o ralo não entupa.
Comentários
Nunca mais saiu das cozinhas.
Talvez os produtos de limpeza tenham feito mal, hoje o sujeito é o pai da tal gastronomia molecular, tão em voga. Inventou coisas como ar de cenoura e azeite de carvão. Tem gente que não sai bem da cabeça depois de passar uns anos na pia...
O seu texto é incrível, adorei.