Pular para o conteúdo principal

Executivo e produtor, Marcos Maynard fala de rock, indústria fonográfica, processos e cores


O empresário Marcos Maynard durante encontro de mídias sociais em São Paulo. Foto: Ricardo Matsukawa/Terra

Em 2011, fui sondado por uma revista para ser o redator de uma entrevista já feita por outro jornalista. Havia o registro de uma longa conversa entre o repórter e Marcos Maynard, ex-presidente de grandes gravadoras entre os anos 1980 e 2000 e, atualmente, dono do passe do Restart, do CW7, entre outras. Aceitei a encomenda. Entrei em contato com o colega de ofício, sujeito de quem sempre admirei o trato com as palavras, e combinamos dele me enviar o arquivo por e-mail. Ao chegar na minha caixa de mensagens, o link do dito cujo só apresentava os dois primeiros minutos de diálogo. Novo envio, mesmo erro. Tentamos outro desses serviços estrangeiros de compartilhamento. Nada. Fui à casa do jornalista – início de noite agradável, temos diversos amigos em comum, mas não nos conhecíamos pessoalmente. Ele salvou e me deu o material em pen-drive. Mas, de novo, lá estavam só os mesmos dois minutos. O fato é que a entrevista havia sido captada no iPhone e nem com reza brava tinha-se acesso ao bate-papo. Ah, as plataformas. Resolvi, então, eu mesmo fazer uma segunda entrevista. Um tanto constrangido, expliquei a situação para a secretária do Maynard. Aliás, todos ali do escritório foram muito solícitos. Marcamos uma nova data e o empresário concedeu a mim uma nova e longa entrevista. O texto foi batucado, entregue na data combinada e aprovado pela chefia de redação. Porém, por diversas razões, não foi publicado. Seria toda a complicação no acesso ao arquivo da primeira conversa um presságio? É possível. Recebi – e bem, até – pelo escrito, tive outros textos por lá editados (está tudo certo, aviso), mas o perfil de logo mais abaixo não viu a luz do dia. Acontece. Ou melhor, tem coisas que simplesmente não são para acontecer e pronto. Há algumas informações defasadas pelo tempo, afinal, estávamos no longínquo primeiro semestre de 2011 – o longa-metragem estrelado pelo Restart, por exemplo, não estreou em janeiro de 2012. Já a maioria dos caracteres segue como se digitados neste abril de 2013. Na leitura, acho que dá para entender um pouco do cenário pop rock atual, dos procedimentos da antiga indústria do disco e o pensamento de um de seus personagens de destaque. Eis o que me disse o Maynard
.

Aos 61 anos, Marcos Maynard tem nas mãos um dos maiores fenômenos da música jovem brasileira: o Restart. Atentos a sua orientação empresarial de resultados, Pelu (vocal e guitarra), Thomas (bateria), Koba (guitarra e vocais) e PeLanza (baixo e vocal) fazem coraçõezinhos com as mãos, enlouquecem uma legião de fãs e abusam das tonalidades no figurino, enquanto são alvo de críticas pesadas e muito ressentimento. Expoentes do happy rock, os garotos acumulam feitos impressionantes e, com bom-mocismo colorido, têm enviado mensagens nada cifradas aos detratores. “E eu quero tudo, tudo, tudo que o mundo tem pra me dar/ Eu quero mais, mais, mais motivos pra poder cantar/ E eu vou sorrir e vou deixar você me levar/ Eu quero tudo, tudo, tudo que o mundo tem pra me dar/ E eu não vou parar”, diz a canção mais recente do quarteto, Meu Mundo, que desde o lançamento na internet em abril tem 160 mil audições no MySpace e outras 239 mil visualizações no YouTube.

“Eles são excepcionais. Muito bons músicos e pessoas extremamente carismáticas . Antes de contratá-los, eu e Guto Campos (produtor musical, sócio de Maynard e diretor geral da ArtMix) fomos assistí-los em uma casa noturna em São Paulo e as meninas já cantavam todas as frases e usavam roupas coloridas como eles”, diz Maynard, que, desde 2009, responde pela produção, direção artística, distribuição física e digital de fonogramas, edição, e-commerce, licenciamento, marketing e venda de shows da banda.

Atenção para os números: 100 mil cópias vendidas do CD homônimo de estreia lançado em março de 2010, outras 50 mil do segundo álbum, Restart By Day, editado em dezembro do mesmo ano, 35 capas de revista, contratos com 30 empresas e 515 produtos licenciados (relógios, chicletes, roupa de cama e banho, cadarços coloridos, esmalte, etc), 16 shows por mês com público médio de cinco mil pessoas, dez prêmios. No final do mês de abril, chegou às livrarias a biografia do quarteto, Restart – Coração na Mão – A História Completa (Editora Saraiva - Benvirá), da jornalista Fátima Gigliotti. E no segundo semestre, a garotada começa a rodar o filme Restart na Mente, com direção de Denis Kamioka, o Cisma. A Paranoid Filmes, que tem entre os sócios o cineasta Heitor Dhalia, de O Cheiro do Ralo e À Deriva, será a produtora do longa-metragem. No enredo, o baterista Thomas perde a memória e tem a ajuda dos companheiros de banda e do Guru do Rock para ter as lembranças reavivadas. A previsão de lançamento nos cinemas é janeiro de 2012.

Em paralelo às conquistas, certos aspectos da estratégia de Maynard aplicada ao grupo causam espécie. Recentemente, no blog Clube da Insônia, o vocalista do Detonautas, Tico Santa Cruz, acusou a banda de cobrar para receber fãs no camarim, o chamado kit camarim. O cantor, que já havia chamado os integrantes de bonecas Barbie via Twitter, escreveu: “Eles estão se aproveitando do fanatismo, do amor, do carinho e da ingenuidade de pré-adolescentes e de seus pais para obter lucros de forma ridícula”. Maynard, no entanto, não vê problema algum na cobrança. “Isso é apenas um jeito de limitar o acesso aos bastidores. É impossível atender 400 fãs que querem ir ao camarim. E também não posso deixar os garotos dando autógrafos e tirando fotografia até de manhã. Como resolver isso? Cobrando. Vendemos um pacote que tem CD, camiseta, bottons e revistas. Esse pacote dá direito a uma pulseira para o fã ir ao camarim”, conta. “Não vi ninguém xingar o Paul McCartney por cobrar 800 libras por uma hora de visita à passagem de som. 800 libras é dinheiro, meu amigo. Tem gente que não pagaria, mas eu, como uma série de outros admiradores dos Beatles e da carreira solo dele, sim”. Segundo Maynard, a cobrança pelo pacote nem gera tantos dividendos assim à estrutura restartiana. “Ganhamos muito pouco com isso, mas pagamos direitinho a equipe que entrega os kits, que envelopa os brindes para as meninas, que trabalha na produção. São oito pessoas que estão sendo empregadas por apresentação. Disso os críticos não falam”.

Bandas fantasmas, primeiro Grammy de Roberto Carlos e processos
Casado há 12 anos com a arquiteta Doris Zaidan e pai de Rodrigo, 27, Maynard fala à reportagem de sua ampla sala na Maynard Enterprises, companhia que ele fundou em 2003. Estamos no décimo-sétimo andar de um edifício no Itaim, em São Paulo. Nas paredes, mesa de trabalho e na estante, detalhes de uma vida inteira pautada pela música. Os livros do pai, o folclorista Alceu Maynard Araújo, autor de Folclore Nacional, Medicina Rústica e Cem Melodias Folclóricas, entre outros, ocupam um lugar de destaque na biblioteca. “Aprendi muito da música do meu país com meu pai. Ele viajou o Brasil inteiro fazendo pesquisas. E também era amigo de vários diretores de gravadoras. Lembro de recebermos discos em casa, sobretudo de música sertaneja. Muita coisa da Inezita Barroso, uma artista que conheço desde criança”, conta. Das audições dos discos que chegavam à casa dos pais ao propósito de tocar instrumentos foi coisa de tempo. Como muita gente de sua geração, Maynard foi impactado pelos acordes dissonantes da bossa nova. “Assistir ao programa Fino da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues, foi o que me fez querer aprender a tocar violão. Aquilo era fantástico”.

Bossa-novista em formação, Maynard conta que sofreu um novo impacto sonoro: o da jovem guarda. Somando as recentes informações dos Beatles, o garoto virou guitarrista e cantor, e quis formar bandas de rock nos idos de 1966. Colt 45 e Memphis foram algumas delas. Durante o início dos anos 1970, havia um curioso mercado estabelecido para bandas que cantavam em inglês. Os mesmos intérpretes gravavam composições sob vários nomes e formações. As músicas iam para a rádio e eram executadas como se fossem obras de artistas estrangeiros. As apresentações ao vivo se davam nas domingueiras de tradicionais clubes paulistanos, como o Pinheiros e o Círculo Militar. Maynard e sua turma estavam nessa. “Tudo banda fantasma”, diverte-se. Com o final do Memphis, o músico, que àquela altura virara tecladista, ficou com o nome de uma das bandas que tinha emplacado o sucesso Oh Oh La La La na Rádio Difusora de São Paulo, a Lee Jackson – homônimo de um baixista britânico. “Montei a banda com os caras que eram do Amebha, o Cláudio Condé, o Sérgio Lopes, o Marco Bissi e o Luiz Carlos Maluly, meus amigos da vida toda”. O “novo” Lee Jackson teve como primeiro hit a canção Hey Girl, com execuções também no Chile e na Argentina. Posto isso, voltaram ao estúdio para gravar o álbum de estreia, Bill Halley Presents Lee Jackson Featuring Rock Samba. Sim, o próprio Bill Halley de Rock Around the Clock. O músico norte-americano estava em turnê pelo Brasil e o Lee Jackson era a banda de abertura. O empresário deles e promotor dos espetáculos, Manoel Poladian, propôs uma parceria. Halley topou aparecer na capa do álbum e recomendar os jovens roqueiros paulistanos. “Imagina o ‘pai’ do Elvis na capa com a gente, moleques de 20 anos”, comenta. “Misturávamos rock com samba. Nelson Ayres era o nosso maestro e pedimos para ele trazer os sambistas para tocar junto nas gravações”.

Bill Halley Presents Lee Jackson Featuring Rock Samba vendeu 150 mil cópias, o que garantiu que fossem produzidos outros dois discos da série rock samba. “Nem queríamos mais fazer aquele gênero no segundo álbum, mas fomos obrigados pela gravadora. Virou uma trilogia”. Enquanto discorre sobre o Lee Jackson, Maynard saca do iPod e pergunta se o repórter lembra da música Follow You, Follow Me, do Genesis. Claro, a faixa foi trilha sonora da novela Dancin’ Days, em 1978 – a imagem de Sonia Braga requebrando na pista de dança me vem à cabeça, deliro por segundos. “Encontramos o Genesis no show que eles fizeram no Clube Pinheiros, conversamos muito, demos o disco para eles. Gostaram tanto que quando Follow You, Follow Me foi lançada, tinha o tipo de instrumentação brasileira, o tamborim. Na nossa mediocridade brasuca, é possível que tenhamos influenciado os monstros da música”, comenta. “Pode ser ou pode não ser, mas nós preferimos acreditar que foi. Ao menos é uma lembrança legal”.

Formado em Direito e Administração de Empresas, o tecladista foi convidado a trabalhar como produtor da Polygram – Cláudio Condé tornou-se produtor internacional da mesma companhia, Sérgio Lopes foi para a Band Discos, anos depois Luiz Carlos Maluly também foi para a Polygram e Marco Bissi para a CBS. “Nessa época, contratei Lady Zu, Tetê Espindola e o Lírio Selvagem, produzi o disco Cobra de Vidro, do MPB 4 e Quarteto em Cy juntos; Paulinho Nogueira, e os novos Secos e Molhados, logo após a saída do Ney Matogrosso”.

Em 1980, Maynard assumiu o cargo de Diretor Artístico Internacional da CBS. “Fui chamado pelo espanhol Tomás Muñoz, para mim um dos maiores presidentes de companhia de disco do mundo”. Os lançamentos em solo brasileiro de artistas como Julio Iglesias, Peter Frampton e The Police aconteceram sob a administração do ex-Lee Jackson. Em 1983, agora na diretoria artística nacional, contratou Fábio Jr., lançou Balão Mágico, Baby Consuelo & Pepeu Gomes, Ritchie e Dominó. “Um dia, o Muñoz me deu uma fita de um cara chamado Paulo Ricardo, que ele tinha conhecido como amigo do escritor Marcelo Rubens Paiva, autor de Feliz Ano Velho, livro que ele adorava. Chamei o rapaz pra conversar. Eu disse que tinha gostado das músicas e perguntei da banda. Não tinha. Era só ele e um tecladista, o Luiz Schiavon. Um ano depois, com banda formada, a gente grava as músicas e o RPM vende 1 milhão de discos na estreia. E aquilo foi só o começo de um fenômeno de massa nunca visto no Brasil”.

No final da década de 1980, Maynard desembarca no México como vice-presidente da CBS, que em 1989 se transmutaria em Sony Music. “Lancei o Ricky Martin”, comemora ele, enquanto aponta nas paredes outros discos de ouro e platina conquistados por artistas sob sua gestão latina. “O Roberto Carlos ganhou o primeiro Grammy Latino [por Si El Amor Se Va, música do produtor Roberto Livi] comigo lá. Ele sempre diz que um terço do prêmio é meu. Grande amigo, o Roberto”.

Quando voltou ao Brasil, em 1992, para presidir a Polygram, Maynard abraçou a axé music e deu novas diretrizes às carreiras de Chitãozinho e Xororó, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Simone, Chico Buarque e Caetano Veloso. Entre 1997 e 1999, esteve na presidência da Polygram Latina nos EUA. “Aí, quando a companhia foi comprada pela Universal Music, recebi duas ofertas.: uma da Univision, de Los Angeles, e outra da Abril Music, do Grupo Abril. Preferi voltar ao Brasil”, diz.

Responsável pela Abril Music, Maynard contratou Harmonia do Samba, CPM22, Los Hermanos, Edson & Hudson, Bruno & Marrone, Rastapé, Frank Aguiar, Titãs, Capital Inicial, Falamansa, entre outros. Vendas expressivas se repetiram. Mas a performance mercadológica não garantiu a longevidade da gravadora, que encerrou os trabalhos em 2003, após quatro anos de existência. “As más línguas dizem que eu fali a Abril Music”, ironiza. “A companhia estava muito bem, mas o Grupo Abril passava por um momento delicado. O negócio deles é revista e quiseram direcionar todas as energias para o mercado editorial. O que está certíssimo”.

Outro tópico controverso da carreira de Maynard é seu desligamento, em 2006, da presidência da EMI Music Brasil, onde ele atuava desde 2004. Uma fraude contábil teria acontecido e os resultados das vendas de discos da companhia no Brasil teriam sido alterados. “Fui penalizado por ter sido o único executivo a não concordar com o superfaturamento”, afirma ele. Segundo dados divulgados durante o episódio, o esquema resultou num valor superestimado de receitas de cerca de 12 milhões de libras e inflou os lucros operacionais em 9 milhões de libras. Como efeito imediato, as ações da EMI despencaram na bolsa de Londres. “Movi dois processos contra a companhia, um por perdas e danos e outro trabalhista. Estão correndo na Justiça”, afirma. Procurada pela reportagem, a EMI Music Brasil disse que não se pronunciaria sobre o assunto.

Somos interrompidos por uma ligação no telefone celular. Maynard pede licença e atende. É do Clube Pinheiros, onde ele é diretor de esporte. Competidor nato, o homem é adepto do pólo aquático, com direito a título de campeão sul-americano em 1974. “Sou sócio benemérito do clube e jogo pólo três vezes por semana. Continuo nas competições. Faço parte da equipe de atletas com mais de 50 anos. Estivemos na Copa da Espanha há pouco. Para um cara que começou na jovem guarda está bom, né?”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Escovinha ou função, um breve estudo sociológico

'Back in black' (1986), do Whodini; “I’m a ho!” é a quarta faixa do álbum Dia desses, no Facebook, o amigo Neco Gurgel postou uma música do Whodini, a clássica “I’m a ho!”. Nos bailes black de periferia, o refrão da faixa era conhecido e sobretudo cantado como “Desamarrou (e não amarrou)”. Paródias do tipo eram bastante comuns naqueles tempos, final dos anos 1970, começo dos 1980. Na tradução marota da rapaziada, o funk "Oops upside your head", da Gap Band, por exemplo, ficou informalmente eternizada como "Seu cu só sai de ré". Já “DJ innovator”, de Chubb Rock, era “Lagartixa na parede”- inclusive gravada, quase que simultaneamente, por NDee Naldinho, em 1988, como “Melô da lagartixa”. A música do Whodini, lançada em 1986, remete a um fenômeno que tomou as ruas do centro de São Paulo, e periferias vizinhas, antes da cultura hip hop se estabelecer de fato: o escovinha, também chamado de função. Em “Senhor tempo bom”, de 1996, os mestres Thaíde & DJ Hu