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Sobre parada e modernos ignorantes

É muita truculência. Ignorância em dose cavalar. Na noite deste domingo, 14, uma bomba caseira explodiu no Largo do Arouche, centro de São Paulo, e deixou feridas 22 pessoas que estiveram na Parada do Orgulho LGBT. Leio que durante a parada, um moleque de 17 anos foi agredido por um grupo de brutamontes na esquina das ruas Frei Caneca e Dona Antonia de Queiroz. Com traumatismo craniano, o cara está internado em coma na Santa Casa. Já na Praça Roosevelt, outro jovem foi agredido e roubado por um grupo de, segundo diz a imprensa, skatistas. E ainda no Largo do Arouche outro rapaz foi esfaqueado na perna. E a cidade se pretende muderna.

Ouço essas histórias e deprimo. Semana passada mesmo eu estava lá no Via Funchal. Aguardava The Sisters of Mercy entrar em cena e encontrei meu amigo Fábio Vietnica. O Fábio é um mito da noite paulistana e é sempre um prazer encontrá-lo. Pois bem, um conhecido dele, que se mostrou depois um infeliz de marca maior, chegou junto e ficou papeando conosco. Eu nem tinha percebido, mas ao nosso lado apareceu um sujeito de cabelo cinza espetado, lentes de contato a imitar olhos de gato e blusa transparente adornada com penas negras nos ombros. Uma produção meio anjo do inferno, sei lá. Os amigos da figura também estavam em trajes não muito convencionais. Totalmente no contexto, ora bolas. Afinal, extravagância é o mínimo que se espera do público do The Sisters of Mercy, veterana banda da cena gótica britânica com pés no heavy metal. Percebi que o conhecido do Fábio estava incomodado com o visual do garoto. Tanto que soltou a seguinte pérola: “Olha essa bicha. Não dá para saber se é homem ou se é mulher. É por isso que o movimento gótico no Brasil não vai para frente”. Desacreditei. Olhei para face do infeliz - um cara de 40 e poucos anos, jaqueta de couro, topete ficando grisalho e camiseta preta do Sisters – e senti profunda vergonha alheia. Rebatemos o comentário e ele ficou sem graça.

Enquanto o Fábio tentava situar o dito cujo, aproveitei para me distanciar e olhei fixo para o palco que logo mais traria os artistas. Tenho certeza que o envolvimento com o punk, com rock alternativo, o interesse por música estranha e lugares idem foram coisas que me fizeram abrir o leque. Claro que houve o papel decisivo dos meus pais, mas muito do que eu tenho de respeito às diferenças vem da minha vivência no underground. Vivência que o babaca de jaqueta de couro também deve ter tido. Não aprendeu nada. São tipos como ele que agridem, intimidam e praticam atentados contra àqueles que não se enquadram em suas avaliações de gênero. Estamos bem servidos de ignorantes.

Comentários

deia disse…
rodrigo,
primitiva "natureza" humana...
rodrigo carneiro disse…
Pois é, Deia! E morreu o rapaz que estava em coma. Beijos
deia disse…
"imagine all the people..."
que utopia!!!!

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Escovinha ou função, um breve estudo sociológico

'Back in black' (1986), do Whodini; “I’m a ho!” é a quarta faixa do álbum Dia desses, no Facebook, o amigo Neco Gurgel postou uma música do Whodini, a clássica “I’m a ho!”. Nos bailes black de periferia, o refrão da faixa era conhecido e sobretudo cantado como “Desamarrou (e não amarrou)”. Paródias do tipo eram bastante comuns naqueles tempos, final dos anos 1970, começo dos 1980. Na tradução marota da rapaziada, o funk "Oops upside your head", da Gap Band, por exemplo, ficou informalmente eternizada como "Seu cu só sai de ré". Já “DJ innovator”, de Chubb Rock, era “Lagartixa na parede”- inclusive gravada, quase que simultaneamente, por NDee Naldinho, em 1988, como “Melô da lagartixa”. A música do Whodini, lançada em 1986, remete a um fenômeno que tomou as ruas do centro de São Paulo, e periferias vizinhas, antes da cultura hip hop se estabelecer de fato: o escovinha, também chamado de função. Em “Senhor tempo bom”, de 1996, os mestres Thaíde & DJ Hu