Jards Macalé, estrela de Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal
Já devem ter ouvido falar que o In-Edit Brasil, o primeiro festival internacional do documentário musical, está rolando em São Paulo - e deve aportar no Rio de Janeiro a partir do dia 9 de julho -, né? Uma programação finíssima a preços entre o simbólico e o gratuito. Por uma moeda de real, o famoso ex-um cruzeiro, assisti ontem na Galeria Olido ao filme Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal, dirigido brilhantemente por Marcelo Abujamra e João Pimentel. Macalé é um dos meus heróis. Autor de clássicos como “Vapor barato”, “Movimento dos barcos”, “Gotham City”; parceiro principal de Waly Salomão; violonista e arranjador de Gal Costa e de Caetano Veloso; ator e autor de trilhas de Nelson Pereira dos Santos; amigo pessoal de Lygia Clark e Hélio Oiticica; o cara tem a incrível trajetória retratada na produção. Um dos lances mais emocionantes é o relato de um desejo de morte do Macalé. Jogado à vala comum dos malditos da MPB e abalado com os dez anos de suicídio do poeta e compositor Torquato Neto (outro de seus parceiros e brothers estelares), em novembro de 1982, Macao, como também é conhecido, resolveu que ia dar cabo da própria vida. Começou a beber à tarde e à noite bateu na casa de um casal de amigos. Mais birita e telefonemas de despedida. Entre as ligações, Capinam e João Gilberto. Percebendo a seriedade da mensagem, João Gilberto, já de violão em punho, mandou do outro lado da linha: No rancho fundo/ Bem pra lá do fim do mundo/ Onde a dor e a saudade/ Contam coisas da cidade.../ No rancho fundo/ De olhar triste e profundo/ Um moreno conta as “mágua”/ Tendo os olhos rasos d’água/ Pobre moreno/ Que de tarde no sereno/ Espera a lua no terreiro/ Tendo o cigarro por companheiro/ Sem um aceno/ Ele pega da viola/ E a lua por esmola/ Vem pro quintal desse moreno/.... A apropriada interpretação de João, que a repetiu feito mantra por quase meia hora, para a linda "No Rancho Fundo", escrita por Ary Barroso e Lamartine Babo, em 1930, demoveu o artista da idéia de suicídio. O telefone ia passando de mão em mão e todos na casa se debulharam em lágrimas. Depois os amigos saíram para continuar bebendo e quando Macao fez algum comentário sobre a ressaca que teria no dia seguinte, veio o alívio: “Ninguém que vai se matar se preocupa com ressaca”, diz o entrevistado (esqueci o nome dele) que acompanhou Macao pelos bares.
Não fosse suficiente ter contato com uma história desse tipo, houve ainda um show do Macalé no auditório ao lado do cinema. Sozinho no palco, o cara fez uma das apresentações mais belas que eu já vi. E olha que já assisti a muito show nesta vida. Do Macao mesmo uns sete, oito. Um deles, inclusive, tinha o saudoso e parceiro Itamar Assumpção na primeira fila. Foi no Itaú Cultural e Itamar já se submetia ao tratamento contra o câncer no intestino que o mataria naquele fatídico ano de 2003. Parecia abatido. Pois bem, a audiência pedia o tempo todo que Itamar subisse ao palco; Macalé, na elegância, também acenou com a possibilidade. O Nego Dito, no entanto, não atendeu aos pedidos, mas no final do show do amigo, levantou, dirigiu-se à porta de saída e mandou a capella, com aquela voz de trovão que ele tinha, outra canção apropriada ao momento: "Diz que fui por aí", do Zé Kéti. Atentem aos versos: Se alguém perguntar por mim/ Diz que fui por aí/ Levando o violão embaixo do braço/ Em qualquer esquina eu paro/ Em qualquer botequim eu entro/ Se houver motivo/ É mais um samba que eu faço/ Se quiserem saber se volto/ Diga que sim/ Mas só depois que a saudade se afastar de mim/ Tenho um violão para me acompanhar/ Tenho muitos amigos, eu sou popular/ Tenho a madrugada como companheira/ A saudade me dói, o meu peito me rói/ Eu estou na cidade, eu estou na favela/ Eu estou por aí/ Sempre pensando nela. Foi a última aparição do Itamar que eu presenciei. Comovente, os senhores hão de concordar.
Mas voltando à Galeria Olido, ainda teve o meu momento tiete. Já tinha falado ao telefone com o Macalé. Era por conta de uma matéria e mantive o distanciamento e a objetividade jornalística, essa farsa. Pergunta e resposta. Tudo certo. Mas nunca tinha o visto assim, de perto. Como aproveitei para ir à Galeria do Rock, na rua de cima (me ocorreu que frequento a galeria desde que eu tinha uns 14 anos), fui pegar o ingresso para a exibição/show antes da abertura da bilheteria. Ao descer as escadas, dei de cara com o Macao chegando com a produtora para a passagem de som. Entendam, é um dos meus heróis. “Salve, Macalé!”, disse eu, estendendo-lhe a mão.“ Como é que vai, professor?”, respondeu ele, retribuindo o cumprimento. Professor é foda. Começou assim a minha noite de sábado. Muitíssimo bem. Grandioso Macao. Valeu festival.
Já devem ter ouvido falar que o In-Edit Brasil, o primeiro festival internacional do documentário musical, está rolando em São Paulo - e deve aportar no Rio de Janeiro a partir do dia 9 de julho -, né? Uma programação finíssima a preços entre o simbólico e o gratuito. Por uma moeda de real, o famoso ex-um cruzeiro, assisti ontem na Galeria Olido ao filme Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal, dirigido brilhantemente por Marcelo Abujamra e João Pimentel. Macalé é um dos meus heróis. Autor de clássicos como “Vapor barato”, “Movimento dos barcos”, “Gotham City”; parceiro principal de Waly Salomão; violonista e arranjador de Gal Costa e de Caetano Veloso; ator e autor de trilhas de Nelson Pereira dos Santos; amigo pessoal de Lygia Clark e Hélio Oiticica; o cara tem a incrível trajetória retratada na produção. Um dos lances mais emocionantes é o relato de um desejo de morte do Macalé. Jogado à vala comum dos malditos da MPB e abalado com os dez anos de suicídio do poeta e compositor Torquato Neto (outro de seus parceiros e brothers estelares), em novembro de 1982, Macao, como também é conhecido, resolveu que ia dar cabo da própria vida. Começou a beber à tarde e à noite bateu na casa de um casal de amigos. Mais birita e telefonemas de despedida. Entre as ligações, Capinam e João Gilberto. Percebendo a seriedade da mensagem, João Gilberto, já de violão em punho, mandou do outro lado da linha: No rancho fundo/ Bem pra lá do fim do mundo/ Onde a dor e a saudade/ Contam coisas da cidade.../ No rancho fundo/ De olhar triste e profundo/ Um moreno conta as “mágua”/ Tendo os olhos rasos d’água/ Pobre moreno/ Que de tarde no sereno/ Espera a lua no terreiro/ Tendo o cigarro por companheiro/ Sem um aceno/ Ele pega da viola/ E a lua por esmola/ Vem pro quintal desse moreno/.... A apropriada interpretação de João, que a repetiu feito mantra por quase meia hora, para a linda "No Rancho Fundo", escrita por Ary Barroso e Lamartine Babo, em 1930, demoveu o artista da idéia de suicídio. O telefone ia passando de mão em mão e todos na casa se debulharam em lágrimas. Depois os amigos saíram para continuar bebendo e quando Macao fez algum comentário sobre a ressaca que teria no dia seguinte, veio o alívio: “Ninguém que vai se matar se preocupa com ressaca”, diz o entrevistado (esqueci o nome dele) que acompanhou Macao pelos bares.
Não fosse suficiente ter contato com uma história desse tipo, houve ainda um show do Macalé no auditório ao lado do cinema. Sozinho no palco, o cara fez uma das apresentações mais belas que eu já vi. E olha que já assisti a muito show nesta vida. Do Macao mesmo uns sete, oito. Um deles, inclusive, tinha o saudoso e parceiro Itamar Assumpção na primeira fila. Foi no Itaú Cultural e Itamar já se submetia ao tratamento contra o câncer no intestino que o mataria naquele fatídico ano de 2003. Parecia abatido. Pois bem, a audiência pedia o tempo todo que Itamar subisse ao palco; Macalé, na elegância, também acenou com a possibilidade. O Nego Dito, no entanto, não atendeu aos pedidos, mas no final do show do amigo, levantou, dirigiu-se à porta de saída e mandou a capella, com aquela voz de trovão que ele tinha, outra canção apropriada ao momento: "Diz que fui por aí", do Zé Kéti. Atentem aos versos: Se alguém perguntar por mim/ Diz que fui por aí/ Levando o violão embaixo do braço/ Em qualquer esquina eu paro/ Em qualquer botequim eu entro/ Se houver motivo/ É mais um samba que eu faço/ Se quiserem saber se volto/ Diga que sim/ Mas só depois que a saudade se afastar de mim/ Tenho um violão para me acompanhar/ Tenho muitos amigos, eu sou popular/ Tenho a madrugada como companheira/ A saudade me dói, o meu peito me rói/ Eu estou na cidade, eu estou na favela/ Eu estou por aí/ Sempre pensando nela. Foi a última aparição do Itamar que eu presenciei. Comovente, os senhores hão de concordar.
Mas voltando à Galeria Olido, ainda teve o meu momento tiete. Já tinha falado ao telefone com o Macalé. Era por conta de uma matéria e mantive o distanciamento e a objetividade jornalística, essa farsa. Pergunta e resposta. Tudo certo. Mas nunca tinha o visto assim, de perto. Como aproveitei para ir à Galeria do Rock, na rua de cima (me ocorreu que frequento a galeria desde que eu tinha uns 14 anos), fui pegar o ingresso para a exibição/show antes da abertura da bilheteria. Ao descer as escadas, dei de cara com o Macao chegando com a produtora para a passagem de som. Entendam, é um dos meus heróis. “Salve, Macalé!”, disse eu, estendendo-lhe a mão.“ Como é que vai, professor?”, respondeu ele, retribuindo o cumprimento. Professor é foda. Começou assim a minha noite de sábado. Muitíssimo bem. Grandioso Macao. Valeu festival.
Comentários
"Baudellaire, Macalé, Luís Melodia...quanta maldição...\\' rsrsrsr