Domingos Oliveira, que deve ter a contracultura como próximo tema
Já escrevi sobre Domingos Oliveira aqui neste blog. É dos realizadores mais importantes do país, dono de uma lucidez e de um propósito artístico que me deixam atônito. Assistiram ao mais recente filme dele? Juventude (2008)? Com Paulo José, o próprio Domingos e Aderbal Freire Filho no elenco, a produção é uma jóia do cinema nacional contemporâneo que não teve (só pra fazer uma comparação estapafúrdia de mercado – e lamentar o gosto médio) o desempenho de um Se eu fosse você 2, de Daniel Filho - a comédia estrelada por Glória Pires e Tony Ramos atraiu mais de 4,1 milhões de espectadores aos cinemas e o filme do Domingos, apesar da qualidade, dos quatro Kikitos conquistados no último Festival de Gramado e das críticas entusiasmadas, seduziu cerca de 12 mil interessados, talvez os interessados de sempre. Fazer o quê? Mas volto ao Domingos pois, ao xeretar no blog dele, me deparei com as seguintes considerações sobre contracultura e casamento aberto:
"CONTRACULTURA
Uma obrigação que tenho comigo mesmo é escrever a minha estória de amor com a contracultura. Aquelas idéias confusas e belas: “seja razoável, peça o impossível”, “a imaginação no poder”, “caia fora” e mais tudo o que Harrison e Lennon disseram chegou para mim quando eu já era grandinho. Aos 33, 34 anos. Já tinha feito 17 de análise. E vivido um bocado. De modo que pude compreender a profundidade da jogada. Virei hippie e de alguma forma continuo sendo. A contracultura foi um movimento que mostrou aos homens, através do ácido e da música, sua verdadeira beleza. Suas incríveis potencialidades. Quem me botou um ácido na boca pela primeira vez foi uma moça linda, mãe da minha filha, com quem casei no dia seguinte. Vi o movimento no clímax e depois no declínio. E não contei nunca essa história trágica em forma de arte. Claro que é porque temo o fracasso diante de tão importante assunto. Mas por outro lado, acho o “Dreamers” de Bertolucci uma bobagem e “Hair” uma superficialidade. Ninguém descreveu, fora a música, a grandeza desse por enquanto último sonho consistente de libertação da humanidade. Portanto é quase uma missão minha fazer isso. Sou dos poucos que posso. Vamos ver se dá tempo".
(Domingos Oliveira)
"DA INFIDELIDADE OU DO CASAMENTO ABERTO
Há certos assuntos na sociedade que, embora tenham importância de vida ou morte, nunca são comentados em alto e bom som. As palavras tartamudeiam entre a língua e os dentes, sendo em sua maioria, engolidas até o estômago antes que tenham a oportunidade de sair pela cavidade da boca.
O casamento aberto é um desses assuntos.
A ambição oculta de quase todos os casais é pensada, sentida e tratada como um crime grave ou uma vergonha insuportável.
Também eu participo dos sentimentos descritos acima, compelido a isto pelo meu inconsciente escravizante pleno de preconceitos burgueses tenazes. Não façam o que eu faço, porém leiam o que escrevo.
Na minha mais recente peça, logo no prólogo o assunto é discutido em termos banais, para não assustar ninguém. Eros, o Deus do Amor, discute com a Fidelidade (...)
Embora eu confesse humildemente que levei muitos anos de batalha e boa dose de ferimentos para alcançar a tola e superficial síntese acima dramatizada.
O fato é que quase todos os casamentos são, inconfessadamente, abertos. Abertos a sete chaves. O ciúme impede a prática pública tão normal entre os animais, que nem casamento têm, e que não são por isso filhotes do demônio. O ciúme, este monstro de olhos verdes, é dos sentimentos mais profundamente arraigados da alma humana. Também um dos mais violentos. A questão escandalosa se impõe. O ciúme é uma fórmula de guardar a posse do ser amado. É um sentimento que faz parte da natureza humana ou um terrível, porém passageiro, condicionamento social.
Justificando por questões econômicas, realmente um apartamento é mais barato do que dois, o prato pode ser dividido. O ciúme pode ser apenas uma regra de comportamento sócio-econômico e, portanto, passível de cura ou redenção em países mais ricos e civilizados".
(Domingos Oliveira)
Já escrevi sobre Domingos Oliveira aqui neste blog. É dos realizadores mais importantes do país, dono de uma lucidez e de um propósito artístico que me deixam atônito. Assistiram ao mais recente filme dele? Juventude (2008)? Com Paulo José, o próprio Domingos e Aderbal Freire Filho no elenco, a produção é uma jóia do cinema nacional contemporâneo que não teve (só pra fazer uma comparação estapafúrdia de mercado – e lamentar o gosto médio) o desempenho de um Se eu fosse você 2, de Daniel Filho - a comédia estrelada por Glória Pires e Tony Ramos atraiu mais de 4,1 milhões de espectadores aos cinemas e o filme do Domingos, apesar da qualidade, dos quatro Kikitos conquistados no último Festival de Gramado e das críticas entusiasmadas, seduziu cerca de 12 mil interessados, talvez os interessados de sempre. Fazer o quê? Mas volto ao Domingos pois, ao xeretar no blog dele, me deparei com as seguintes considerações sobre contracultura e casamento aberto:
"CONTRACULTURA
Uma obrigação que tenho comigo mesmo é escrever a minha estória de amor com a contracultura. Aquelas idéias confusas e belas: “seja razoável, peça o impossível”, “a imaginação no poder”, “caia fora” e mais tudo o que Harrison e Lennon disseram chegou para mim quando eu já era grandinho. Aos 33, 34 anos. Já tinha feito 17 de análise. E vivido um bocado. De modo que pude compreender a profundidade da jogada. Virei hippie e de alguma forma continuo sendo. A contracultura foi um movimento que mostrou aos homens, através do ácido e da música, sua verdadeira beleza. Suas incríveis potencialidades. Quem me botou um ácido na boca pela primeira vez foi uma moça linda, mãe da minha filha, com quem casei no dia seguinte. Vi o movimento no clímax e depois no declínio. E não contei nunca essa história trágica em forma de arte. Claro que é porque temo o fracasso diante de tão importante assunto. Mas por outro lado, acho o “Dreamers” de Bertolucci uma bobagem e “Hair” uma superficialidade. Ninguém descreveu, fora a música, a grandeza desse por enquanto último sonho consistente de libertação da humanidade. Portanto é quase uma missão minha fazer isso. Sou dos poucos que posso. Vamos ver se dá tempo".
(Domingos Oliveira)
"DA INFIDELIDADE OU DO CASAMENTO ABERTO
Há certos assuntos na sociedade que, embora tenham importância de vida ou morte, nunca são comentados em alto e bom som. As palavras tartamudeiam entre a língua e os dentes, sendo em sua maioria, engolidas até o estômago antes que tenham a oportunidade de sair pela cavidade da boca.
O casamento aberto é um desses assuntos.
A ambição oculta de quase todos os casais é pensada, sentida e tratada como um crime grave ou uma vergonha insuportável.
Também eu participo dos sentimentos descritos acima, compelido a isto pelo meu inconsciente escravizante pleno de preconceitos burgueses tenazes. Não façam o que eu faço, porém leiam o que escrevo.
Na minha mais recente peça, logo no prólogo o assunto é discutido em termos banais, para não assustar ninguém. Eros, o Deus do Amor, discute com a Fidelidade (...)
Embora eu confesse humildemente que levei muitos anos de batalha e boa dose de ferimentos para alcançar a tola e superficial síntese acima dramatizada.
O fato é que quase todos os casamentos são, inconfessadamente, abertos. Abertos a sete chaves. O ciúme impede a prática pública tão normal entre os animais, que nem casamento têm, e que não são por isso filhotes do demônio. O ciúme, este monstro de olhos verdes, é dos sentimentos mais profundamente arraigados da alma humana. Também um dos mais violentos. A questão escandalosa se impõe. O ciúme é uma fórmula de guardar a posse do ser amado. É um sentimento que faz parte da natureza humana ou um terrível, porém passageiro, condicionamento social.
Justificando por questões econômicas, realmente um apartamento é mais barato do que dois, o prato pode ser dividido. O ciúme pode ser apenas uma regra de comportamento sócio-econômico e, portanto, passível de cura ou redenção em países mais ricos e civilizados".
(Domingos Oliveira)
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