Carlos e Marta reencontraram-se no saguão do cinema. O último encontro que tiveram, há exatos quatro anos, não havia sugerido período de distância tão longo. Carlos esperava a noiva, que não suportava os filmes encucados do Cineclube. Preferia comédias leves e, de vez em quando, as fitas de ação. Por isso, sempre que combinavam um cinema, tinham que ser filmes diferentes, salas de exibição diferentes. Como um casal moderno, que alardeavam ser, resolviam as diferenças estéticas naquela região lotada de cinemas com nome de banco e salas multiplex. Escolhia-se horários próximos e quem estivesse na projeção que terminasse mais cedo esperava o outro.
Marta aguardava o marido entrar e sair do banheiro. Ele, muito a contragosto, acompanhava a esposa nas sessões do Cineclube.
“Esses filmes que a Marta gosta são umas belas merdas. O pior é o público. Uns caras pretensiosos meio viados com uma mulherada vestida de estivador de porto. Estivador de grife, claro. Na tela fica aquela coisa embaçada, um chove não molha danado. Mas eu vou, né!? Não vou deixar mulher minha dando sopa por aí”, confidenciava o marido aos amigos do futebol.
Na casa dos 19, 20 anos, Carlos e Marta protagonizaram um daqueles romances determinantes, repletos de intensidade, idas, vindas e, na melhor tradição ultra-romântica, inacabados. Misteriosamente perderam o contato e tudo ficara para a posteridade. Se calculada, a história toda resultaria em uma década, desde o momento em que se conheceram num show de rock alternativo e foram tomados por um grande encantamento até o reencontro no cinema. Talvez fossem imaturos naquele tempo em que fantasiavam o namoro conturbado com as máximas do amor eterno. Mas a verdade era a que mesmo estando com outras pessoas, após tanto tempo, Carlos e Marta continuavam complemente apaixonados.
Não que os anos tivessem lhes dado maturidade suficiente. Marta estava casada. Não sabia muito bem o porquê. Alegava cansaço dos casinhos acidentados que vinha tendo até decidir dizer sim. O marido era meio bronco, mas esforçava-se para agradá-la. Além do mais, arcava quase que com a totalidade das despesas do bem situado e gigantesco apartamento em que moravam.
Carlos, por sua vez, usava uma aliança de compromisso na mão direita. Atendia as convenções. O noivado, que também não se explicava, era a única coisa que destoava da proposta do casal. No restante, eram tão modernos, que até permitiam-se separações momentâneas, como àquela imposta pela sétima arte.
“Marta!”
“C-Carlos! Você...”
Foi o que conseguiram dizer um ao outro, antes que a palpitação e a paralisia comprometesse a comunicação dos antigos amantes. Admiraram-se. Nunca estiveram tão lindos. O marido já usara o sanitário, passara rapidamente as mãos pela água do lavabo e aproximava-se ainda com as mãos molhadas, ajeitando o zíper da calça. A noiva, ainda animada com o enredo açucarado do que assistira na sala ao lado, adentrara também ao saguão.
Não apresentaram os pares. E, como era de se esperar, também não despediram-se. Enquanto o impacto inicial do reencontro teimava em não dissipar-se e eram levados pelo braço cada qual por seu parceiro, Carlos e Marta, cientes de que eram feitos um para outro, tomaram caminhos opostos. Os passos doíam.
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demais....
bjos