O grande Vladimir Maiakovski (1893/1930) se manifestou duas vezes nesta semana. A primeira ocorrência deu-se na madrugada de segunda-feira: Fernanda D’Umbra aniversariava e, durante uma animada conversa minha com o Linari perto da mesa de bilhar do Juke Joint, o ato extremo do poeta veio à baila. Maiakovski, vocês sabem, deu cabo da própria vida.
O segundo manifesto foi ontem. Estávamos eu, Fernanda e Marião Bortolotto na fila do gargarejo do recital feito por Bernardo Vilhena, Chacal, Charles Peixoto e Ronaldo Santos no Sesc Pompéia. Era a comemoração dos 33 anos do Nuvem Cigana, grupo casca grossa de poesia formado pelo quarteto nos anos 1970 - o termo poesia marginal nasceu das maluquices que eles fizeram no Rio de Janeiro. Lá pelas tantas, Charles Peixoto mandou uma do Maiakovski. Aplaudimos todos. Tomando as duas ocorrências maiakovskianas na mesma semana como uma espécie convocação lírica, nada me resta senão deixar aqui dois poemas do homem traduzidos pelo Augusto de Campos. Segue a rima:
BLUSA FÁTUA
Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta
e uma blusa amarela com três metros de poente.
pela Niévski do mundo, como criança grande,
andarei, donjuan, com ar de dândi.
Que a terra gema em sua mole indolência:
"Não viole o verde das minhas primaveras!"
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
"No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!"
Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
que eu faço versos alegres como marionetes
e afiados e precisos como palitar dentes!
Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea,
cubram-me de sorrisos, que eu, poeta,
com flores os bordarei na blusa cor de gema!
A FLAUTA-VÉRTEBRA
A todas vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e
[ celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.
Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.
Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.
1915
Em tempo, hoje o Nuvem Cigana faz novo recital dentro da mostra “Vida Louca, Vida Intensa - Uma Viagem pela Contracultura", no Sesc Pompéia (Rua Clélia, 93, São Paulo). Grátis e altamente recomendável.
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