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Impossível escapar dos enigmas. Que nem as pessoas sorriem nas cantinas quando elas chegam e sentam na mesa mas na hora de ir embora, quando as cadeiras arrastam no piso em uníssono e elas pegam os casacos e as coisas com um olhar carrancudo (todos no mesmo nível de semicarrancudice que é uma carrancudice especial de frustração porque a promessa feita pelo sorriso na chegada não se cumpriu ou se se cumpriu morreu em seguida) – e durante essa vida curta que tem a mesma qualidade cega inconsciente do orgasmo tudo acontece com as almas delas – é o GRANDE MOMENTO – a soma dos ápices dos relacionamentos humanos – dura um segundo – a mensagem vibratória a toda – mas também não é tão mística assim, é o amor e a sintonia num clarão. É assim que a gente que pira a noite de tudo quanto é jeito (surubas com quatro pessoas, conversas de três dias, viagens transcontinentais ininterruptas) também sente essa carrancudice temporária que nos avisa que é hora de ir dormir – nos lembra que dá para parar com isso – e nos lembra mais ainda que o momento é incapturável, já passou e se a gente dormir dá para reviver ele e fazer mil outras combinações e misturas lindas – embaralhar os velhos arquivos da alma num sono demente alucinado – Então as pessoas na cantina têm que olhar mas só até pegarem o chapéu delas, porque a carrancudice também é um sinal que elas mandam umas para as outras, um tipo de “Boa-noite senhoras” ou talvez uma gentileza interior do coração. Que tipo de amigo ia rir na cara dos amigos na hora de pegar o casaco fazendo uma carranca e de se curvar para ir embora? Esse gesto significa “Estamos indo embora dessa mesa que tinha prometido tanto – é nosso tributo aos tristes”. A carrancudice continua assim que alguém diz alguma coisa e eles se dirigem até a porta – rindo eles atiram ecos de volta à cena do desastre humano – e descem a rua no ar renovado que o mundo providencia. Ah, os corações loucos de todos nós!
Trecho de Visions of Cody, livro de Jack Kerouac. Muito bem lembrado pelo brother Marcelo Montenegro.
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