Pular para o conteúdo principal

Com a palavra, Chuck D

Em 2003, eu era editor de música do portal Terra e entrevistei um dos meus heróis, Chuck D, do Public Enemy. Chamei o batuque de "Chuck D faz elogio ao hip hop combativo". Ei-lo abaixo, relembremos.

Em destaque, Flavor Flav e Chuck D; ao fundo, Professor Griff, Terminator X e a rapaziada: Public Enemy

Chuck D faz elogio ao hip hop combativo

Por Rodrigo Carneiro

A verve crítica e a análise sociológica de Chuck D continuam as mesmas. O líder do Public Enemy, que passou pelo Brasil para apresentações no Rio e São Paulo, não usa meias palavras ao analisar a situação atual do hip hop. O segmento descerebrado do gênero alcançou as paradas de sucesso e confirma-se como tendência de moda e comportamento. Ainda que grupos como o Outkast estejam no topo, os tiros, a postura machista e a ostentação têm dado o tom do mercadão.

"São playboys", diz ele, um dos principais representantes da cultura de rua, a respeito dos rappers no mainstream, durante entrevista exclusiva ao Terra.

Chuck D estabelece uma breve linha do tempo. "Toda a cultura hip hop surgiu nos anos 70. Os anos 80 são marcados pelas gravações dos primeiros álbuns, videoclipes e da difusão do estilo pelo mundo. A indústria se fortaleceu nos anos 90 e, agora, temos o quadro do qual estamos falando. É uma decorrência".

O rapper está mais interessado na produção subterrânea. Para ele, a cena underground apresenta mais conteúdo. "Há nesses grupos uma atenção à sonoridade, e, principalmente, ao discurso. Prefiro um tipo de hip hop que atenda as carências de informação das periferias urbanas. Uma música que fale para o povo".

Chuck D, que já definiu o hip hop como a CNN negra, é um aficionado por informação e tecnologia. Designer de formação, o rapper foi um dos primeiros a explorar as possibilidades da internet. Seu site www.publicenemy.com congrega rádio online, selo musical e fórum de discussão. Está no ar desde meados dos anos 90 e já protagonizou uma batalha contra a antiga gravadora do grupo ao disponibilizar músicas inéditas pela rede. "Com a internet eu posso me comunicar com o mundo inteiro, e isso é uma coisa muito importante. Posso mandar a indústria do disco às favas, lançar músicas e ter o retorno imediato. É incrível falar com a África, Austrália e Brasil", conta.

Além das apresentações com o Public Enemy, Chuck D ministrou uma palestra durante o festival carioca de hip hop Hutús e fez uma aparição surpresa no Indie Hip Hop, evento realizado no SESC Santo André, cujo grupo californiano Blackalicius foi uma das principais atrações. "Estar aqui é um aprendizado, uma aula da história. O Brasil tem uma população negra de oito milhões pessoas. Sei que existe discriminação racial, mas há exemplos de convivência aqui que deveriam servir de espelho para outras sociedades", diz Chuck, que foi apresentado ao melhor da produção local de beats e rimas.

"O País tem ótimos artistas. Racionais MC’s, MV Bill, Rappin' Hood e BNegão. O BNegão [que também integra o Planet Hemp e acaba de lançar o primeiro disco solo, 'Enxugando o Gelo', nas bancas de revista] eu já conhecia. Nos encontramos recentemente em um festival em Portugal e eu o convidei para cantar ‘Fight the Power’ com a gente. Quando falei que voltaria ao Brasil, ele não acreditou". diverte-se. O Public Enemy esteve por aqui em 1991.

Corpo e alma
Chuck D é a alma, o corpo e a mente pensante do Public Enemy. Isso fica evidente nas apresentações ao vivo do grupo. "Não me importam os discos, os videoclipes e ou os DVDs. Gosto mesmo é de me apresentar ao vivo. Estou sempre pronto para subir ao palco", diz o rapper como se estivesse em 1982, época dos primeiros shows do grupo.

O parceiro e fundador Flavor Flav, no entanto, começa a ter os anos de hedonismo rapper e estripulias químicas cobrados em praça pública. Ele continua sendo o contraponto divertido de Chuck D - que é surpreendentemente bem-humorado - , mas é uma sombra aflita do que foi no passado.

O famoso grito "Yeaaah, Boooooy!" é bradado com dificuldade e alongado com a ajuda de efeitos da mesa de som. Flav também lança mão do recurso da dublagem. Dubla a si mesmo. É cada vez mais o personagem que traz os enormes relógios parados no pescoço - no ideário do grupo, a imagem é representativa do não desenvolvimento da população negra. Algo como se o tempo não tivesse passado para os afrodescendentes.

Chuck D, por sua vez, comanda os trabalhos com a mesma veemência de sempre. Em São Paulo, tocaram por quase duas horas. Iniciaram saudando os Black Panthers, a milícia negra dos anos 60, executaram todos os sucessos combativos e descambaram para o rock pesado com direito ao refrão de “Purple Haze”, de Jimi Hendrix - sim, o rock-and-roll é também outra manifestação da cultura negra. Bo Diddley, Little Richard e Chuck Berry, entre outros, criaram o ritmo, o discípulo Elvis Presley sabia disso.

Flav pediu um minuto de silêncio em memória do rapper Sabotage, assasinado em janeiro deste ano. BNegão e Rappin' Hood subiram ao palco. Aconteça o que acontecer, o Public Enemy continua ser um belíssimo inimigo do poder.

(Entrevista publicada originalmente no portal Terra, terça-feira, 11 de novembro de 2003, 23h32)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ah, "Picardias estudantis"

Phoebe Cates: intérprete, entre outras, da inesquecível sequência da piscina Noite dessas, eu revi Picardias estudantis (1982), cujo título original, só pra constar, é Fast times at Ridgemont High . Não assistia ao filme, escrito por Cameron Crowe e dirigido por Amy Heckerling, há muitos anos e tive, claro, ótimos momentos diante da tela. Sobretudo por ter a produção um daqueles, como diria o rei Roberto, meus amores da televisão: a atriz Phoebe Cates. No papel da sensualíssima Linda Barrett, Cates, à beira da piscina, em seu biquíni vermelho, é uma das imagens mais encantadoras já produzidas em toda a história do cinema. Feito aqui o registro, voltemos à nossa programação normal.

Executivo e produtor, Marcos Maynard fala de rock, indústria fonográfica, processos e cores

O empresário Marcos Maynard durante encontro de mídias sociais em São Paulo. Foto: Ricardo Matsukawa/Terra Em 2011, fui sondado por uma revista para ser o redator de uma entrevista já feita por outro jornalista. Havia o registro de uma longa conversa entre o repórter e Marcos Maynard, ex-presidente de grandes gravadoras entre os anos 1980 e 2000 e, atualmente, dono do passe do Restart, do CW7, entre outras. Aceitei a encomenda. Entrei em contato com o colega de ofício, sujeito de quem sempre admirei o trato com as palavras, e combinamos dele me enviar o arquivo por e-mail. Ao chegar na minha caixa de mensagens, o link do dito cujo só apresentava os dois primeiros minutos de diálogo. Novo envio, mesmo erro. Tentamos outro desses serviços estrangeiros de compartilhamento. Nada. Fui à casa do jornalista – início de noite agradável, temos diversos amigos em comum, mas não nos conhecíamos pessoalmente. Ele salvou e me deu o material em pen-drive. Mas, de novo, lá estavam só os mesmos dois...