Conheci muito psicopata em meio à movimentação punk oitentista. E figuras espetaculares também. Uma delas é o Paulão. Ignoro seu atual paradeiro. Talvez faça uns 30 anos desde a última vez em que o vi. Espero sinceramente que esteja bem. Pois é alguém que exerceu uma influência extremamente positiva naquele contexto peculiar.
Era ele, como se dizia na época, um punk das antigas. Testemunha ocular do início da estética em São Paulo - diga-se, no Brasil. Frequentador dos primeiros sons de fita (festas ao som de fitas cassete) nos bairros periféricos, da estação São Bento do metrô, da loja Punk Rock Discos etc. Mas não se valia disso para menosprezar os novatos da minha geração. Pelo contrário, dividia o que vivera sem ostentação veterana. Morava sozinho num sobrado próximo ao Cemitério da Lapa. Ladeado por uma espantosa coleção de LPs, compactos sete polegadas e fitas VHS. Em seu gigantesco acervo, títulos punk e hardcore destacavam-se. Eram muitos. Porém, havia outros estilos de rock. Progressivo, inclusive. "Antes do punk, eu era roqueiro", dizia, tranquilíssimo, imune à patrulha ideológica/auditiva reinante.
As tolas controvérsias entre gangues o entediavam sobremaneira. Em algumas ocasiões bastante tensas, ele simplesmente fechava o zíper jaqueta de couro, acendia um cigarro e dava de ombros. Era bancário. Trabalhava numa agência, creio, não muito longe do sobrado. Bamerindus ou Nacional, não lembro. O ordenado mensal financiava as infinitas compras de discos, um ou outro mantimento da casa e garrafas de vinho. “O negócio é tomar um vinhão, né? Só de meia-boca", afirmava, levando a mão ao centro dos lábios para enfatizar o comentário. Um de seus mais famosos bordões.
Outra característica marcante do camarada era o apreço pelos quadrinhos. No sobrado havia diversas publicações: “Lobo mau – Jornal da banda desenhada”, de Portugal, e “El Víbora”, da Espanha, por exemplo. Numa das minhas visitas à gibiteca punk, provavelmente com algum álbum do Canal Terror ou do Stiff Little Fingers girando na vitrola, eu tive nas mãos pela primeira vez um exemplar de “Os Olhos do Gato” (1978), clássico cometido pelo duo Moebius e Jodorowsky. Idas ao Paulão eram verdadeiros – e inesquecíveis - aprendizados. Seja feita a reverência.
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