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Bem underground; da hora e muito louco, meu



Na porta de um disputado show internacional do final de semana passado, sou abordado por uma figura.
- Oi, você é vocalista do Mickey Junkies. Lembra de mim?
- Olá, como vai? - respondo, algo protocolar. A verdade é que eu não me lembro dela.
- Legal, cara. A última vez que assisti vocês foi na Galeria Olido. Foi da hora, meu. O problema é que uma amiga minha ficou brava comigo, acredita? É super fã da banda e não sabia do show. Quando contei para ela que tinha ido, me deu a maior bronca por eu não tê-la avisado. – ainda que sejamos visivelmente contemporâneos, ela utiliza algumas expressões tipicamente adolescentes, observo.
- É mesmo? Acontece. Outros virão. - digo eu.
- Mas é da hora o som de vocês, viu!? Ah, eu estou aqui com uns amigos.
Nisso, a figura grita para um sujeito.
- Fulano, chega aqui. Ó o cara do Mickey Junkies.
Ele se surpreende. Vem ao meu encontro. Estende a mão direita. Eu retribuo.
- E aí, tudo bem?
- Tudo ótimo. Prazer em te conhecer, Carneiro.
A figura me apresenta ainda a uma terceira pessoa, que me beija o rosto, mas que aparentemente nunca me viu mais magro.
- Como vai? - digo. Ela responde, desatenta, e volta ao grupo de pessoas ao lado.
Com a palavra, o cara que havia me dado a mão segundos antes.
- Pô, esse é das antigas. - diz ele sobre a minha pessoa.
A dupla se põe então a falar dos velhos e novos tempos do rock. Da noite paulistana. Até mesmo a extinta casa de espetáculos Projeto SP entra em pauta. Mais uns “da hora” são ditos. Em seguida, a figura volta aos Mickey Junkies.
- Quando tem um outro show? Pô, é muito louco o som da banda, cara. Antigamente era ainda mais louco, né? Bem underground.
Diante da avaliação, só me resta o sorriso constrangido. E a dúvida.
- Não sei dizer. Quem sabe fosse mais louco mesmo.
Rimos todos, eu acho.
- E nós vamos ao Madame depois daqui. Está a fim de ir? - ela convida, referindo-se ao ex-Madame Satã, reaberto há pouco, sem satanismo, no mesmo casarão do Bixiga.
- Agradeço o convite. Claro, a gente se encontra por lá – despisto.
Não fui, evidentemente. Nada pessoal. Ao término da apresentação que veríamos, frente a um congestionamento de veículos inaceitável para o horário, protagonizei uma verdadeira corrida com obstáculos para casa. No íntimo, apenas o desejo por um bem raríssimo. Algo soterrado por volumosos escombros: a sanidade. Um punhado dela que seja. Sanidade.

Comentários

Unknown disse…
Da hora o seu texto!

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Escovinha ou função, um breve estudo sociológico

'Back in black' (1986), do Whodini; “I’m a ho!” é a quarta faixa do álbum Dia desses, no Facebook, o amigo Neco Gurgel postou uma música do Whodini, a clássica “I’m a ho!”. Nos bailes black de periferia, o refrão da faixa era conhecido e sobretudo cantado como “Desamarrou (e não amarrou)”. Paródias do tipo eram bastante comuns naqueles tempos, final dos anos 1970, começo dos 1980. Na tradução marota da rapaziada, o funk "Oops upside your head", da Gap Band, por exemplo, ficou informalmente eternizada como "Seu cu só sai de ré". Já “DJ innovator”, de Chubb Rock, era “Lagartixa na parede”- inclusive gravada, quase que simultaneamente, por NDee Naldinho, em 1988, como “Melô da lagartixa”. A música do Whodini, lançada em 1986, remete a um fenômeno que tomou as ruas do centro de São Paulo, e periferias vizinhas, antes da cultura hip hop se estabelecer de fato: o escovinha, também chamado de função. Em “Senhor tempo bom”, de 1996, os mestres Thaíde & DJ Hu