Pular para o conteúdo principal

Novas operárias da música brasileira

A matéria abaixo me foi encomenda há alguns meses por uma revista. A publicação quinzenal – da qual eu gosto muito – pretendia elaborar breves perfis de novas cantoras brasileiras. Um grande ensaio fotográfico com as perfiladas também estava nos planos. A revista propôs alguns nomes, e eu mais alguns. Feita a lista, entrevistei todas – exceto uma -, batuquei o texto e mandei para a redação.

Acontece que a pauta sofreu com adiamentos editoriais (coisa comum em jornalismo) e questões de logística, posto que há diversas entrevistadas e o conciliar de agendas para um retrato conjunto é tarefa árdua. Enfim, passou o tempo e o escrito deu uma certa envelhecida. Inclusive uma das personagens foi capa de uma outra publicação em agosto. Mas sem problema. Ainda que não seja publicada em papel, o pagamento está garantido e outros textos meus devem surgir em breve na revista, garantem-me. Mando então a batucada aqui, até para dar uma satisfação a quem parou os afazeres diários e me deu depoimentos bacanas. Entrevistadas, assessore(a)s de imprensa, produtores, rapaziada em geral, eis a rima:

Novas operárias da música brasileira

Por Rodrigo Carneiro

Vivendo ao mesmo tempo os papéis de divas, operárias da canção e senhoras absolutas dos conceitos de seus álbuns, novas cantoras têm oferecido comentários acerca da música popular feita no Brasil. Moças que chegam ao disco em um momento de profundas transformações (o fim?) na indústria fonográfica – e fora dela. São figuras de uma geração tão diversa quanto as experiências de vida que trazem consigo e as sonoridades que praticam. Há as que herdaram os dotes musicais dos pais e foram estimuladas para seguir em frente. Há as que tiveram que brigar em casa para poder levar o sonho adiante. Há ainda as que cruzaram rios e oceanos, mas mantêm o local de origem impresso nas almas. Busquei algumas dessas personagens e conversei com as paulistanas Mariana Aydar, Iara Rennó, Tiê, Anelis Assumpção, Andreia Dias e Ana Cañas, a baiana Marcia Castro, a paulista radicada nos EUA Karina Zeviani, a natural do Distrito Federal e carioca por opção Beatriz Faria, a brasiliense Lua e a carioca Marina De La Riva. Muito distintas entre si, é certo, porém, com diversos pontos de interseção no trajeto criativo.

Mariana Aydar

Depois de passar por grupos de forró e residir em Paris, Mariana Aydar, 28, debutou com “Kavita 1” (Universal Music) em 2006. “Tive oportunidade de gravar um disco de forró, mas não queria ficar rotulada como tal”, conta ela, filha da publicitária Bya Aydar e do músico Mário Manga. “Eles são responsáveis por eu ter sido apresentada ao universo musical tão cedo”. Junto às referências que trazia de casa e a vivência nos arrasta-pés, o posterior período francês mondou a persona artística da cantora. “Fui para a França me encontrar. Lá eu abri a cabeça e passei a amar ainda mais a música brasileira”. Na terra do poeta Paul Verlaine (1844-1896), Mariana conheceu Seu Jorge e abriu shows de uma das turnês européias do artista carioca. Em julho, Mariana voltou a França para novos shows. Alem disso, canta pelo Brasil, pensa no segundo álbum e produz, ao lado do marido, o músico Duane, e do compositor Eduardo Nazarian, um documentário sobre José Domingos de Moraes, o sanfoneiro pernambucano Dominguinhos. “Amo Dominguinhos de paixão. Temos mais é que reverenciá-lo.”

Iara Rennó

A veneração de Iara Rennó, 31, pelo herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade (1893-1945) a transformou em parceira do escritor modernista – desejo incontido manifestado bem antes da faculdade de letras cursada na USP. Autora do álbum “Macunaó.peraí.matupi ou Macunaíma Ópera Tupi” (MinC/Petrobras), Iara musicou trechos de Macunaíma e os interpretou cercada de 60 músicos: Arrigo Barnabé, Funk Buia, Mariá Portugal, Tetê Espíndola, Kassin e Tom Zé são alguns deles. “Fiquei muito feliz porque senti que o disco se corresponde com o sentido mais profundo da obra: um "ser" que vai sendo criado ao mesmo tempo que cria vida própria e assimila traços de cada um que o toca”, diz ela, filha do letrista e jornalista Carlos Rennó e da cantora Alzira Espíndola, e uma das vocalistas do DonaZica. “E ainda ficou de fora muita gente, claro. Hurtmold, Cidadão Instigado, Karina Buhr, Curumin, Lucas Santtana, BNegão, Junio Barreto, e por aí vai...” A primeira prensagem, bancada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras, foi destinada às escolas públicas e, segundo Iara, a tiragem comercial deve surgir via Selo SESC.


Ana Cañas

Muitos daqueles que presenciaram shows jazzísticos de Ana Cañas, 27, pelos bares paulistanos estranharam quando ela lançou “Amor e Caos” (Sony&BMG/Day1) – há canções de Jorge Mautner e Bob Dylan, por exemplo. “Quis fazer algo diferente do que eu era na noite”, diz ela, revelada no Baretto, bar do luxuoso Hotel Fasano, em São Paulo. Caetano Veloso e o percussionista Naná Vasconcelos, que participa do álbum, foram alguns dos que assistiram – e voltaram – aos shows de Ana no hotel. “Depois de uma adolescência completamente radiofônica, descobri o jazz com 23 anos. Virei uma xiita da improvisação”, diverte-se a atriz formada pela USP. “Fiz licenciatura. Nunca me passou pela cabeça atuar”, revela. Não que a paixão por suas heroínas Ella Fitzgerald, Nina Simone e Billie Holiday, ou pelo saxofone de Ben Webster (“Ouço o sax dele como uma voz”, observa), tenha arrefecido, mas um surpreendente interesse tem se manifestado. “Estou me iniciando no rock. Adoro Patti Smith, Rolling Stones, Cat Power e AC/DC. Assisti a um documentário maravilhoso do Joe Cocker, “Mad Dogs & Englishmen”, e vi que tudo aquilo tem muito a ver com jazz. Gosto dos gêneros musicais que tenham elementos de contestação.”

Tiê

Ex-modelo e dona de brechó, Tiê Biral, 28, a Tiê, lançou o EP independente “Tiê Música e.p.1” no ano passado e está envolvida no que será o primeiro álbum. “Vou rearranjar composições que estavam no “e.p.1” e gravar outras novas. Plínio Profeta [músico e produtor carioca] vai produzir”, diz ela, que conheceu o músico Toquinho no antigo brechó. A empatia foi imediata e logo Tiê estava excursionando pelo Brasil e pelo exterior com a banda do parceiro de Vinicius de Morais (1913 – 1980). De volta ao disco que se anuncia, como no primeiro registro, o álbum terá canções em português, francês e inglês, resultado das andanças de Tiê pelo mundo. “Fiquei aflita por escrever coisas tão autobiográficas, mas depois acalmei”, confessa ela. Tiê prevê o para o álbum de estréia a união do lúdico das composições iniciais e da alegria do folk cigano. “Depois de sair vitoriosa da luta contra um probleminha de saúde, eu descobri que a vida melhora com o passar do tempo. Já não sou tão melancólica”, reconhece.

Andreia Dias

Integrante dos grupos Glória e DonaZica, Andreia Dias, 35, detesta associações ao termo “nova cantora” . “Não sou de nova geração nenhuma. Já briguei muito. Estou por aí há tempos”, decreta. Ela, que integrou os primórdios do Farofa Carioca [conjunto do qual Seu Jorge era o vocalista nos anos 90], desligou-se da banda por desavenças com outro dos componentes e teve que romper com a família evangélica para cantar e compor, fez a estréia solo com o álbum “Vol 1 Trilogia da minha cabeça” (Scubidu Records), álbum que tem Fernando Catatau e Osvaldinho da Cuíca como convidados. “Minha mãe é uma pessoa muito simples e ao ouvir o disco exclamou: ‘Nossa, é tudo criação da tua cabeça, filha!’”. Definindo o trabalho como música popular contemporânea latino americana, Andreia já arquiteta os outros dois volumes da trilogia. “Tenho muita música”, avisa a autora de “Homem”, canção de sarcásticos versos como “Homem/Seu desejo secreto é me ver no necrotério/Branca como a neve/Bela adormecida esquecida/Uma flor murcha e caída/.../E vai regozijar-se quando os meus lábios gelados beijar”

Marina De La Riva

O fato de ter mãe brasileira e pai cubano diz muito sobre Marina De La Riva, 35. Seu álbum de estréia homônimo, lançado pela Universal Music em 2007, passeia pela tradição musical dos dois países. Além de trazer um misto de fã e convidado especial que norteou idas e vindas: Chico Buarque, presente no bolero “Ojos Malignos”. “Chico foi muito importante, pois quando eu tinha minhas dúvidas do processo criativo, me lembrava dele, daquele endosso que me importava, respirava fundo e seguia em frente”, conta ela, citando também da participação de Davi Moraes. “A música é uma memória afetiva, e ela é viva, por isso tive vontade de fazer um baião com uma habanera (gênero musical originário de Havana), e tudo bem. Esta sou eu”, define a cantante. Por ser ela mesma, Marina recebeu o prêmio de Revelação Feminina pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) em cerimônia realizada no Teatro Sérgio Cardoso, em março. “Fiquei muito feliz. São formadores de opinião importantes compreendendo o trabalho. É uma chancela positiva.”

Anelis Assumpção

“Não sou cantora, eu canto”, diz Anelis Assumpção, 28. Outra das oriundas do DonaZica e filha do cantor e compositor Itamar Assumpção (1949 - 2003), Anelis divide-se entre atividades de cantora, compositora e apresentadora de televisão – é do elenco do Telecurso 2000 e estará à frente do programa “Ecoprático”, que estréia em breve na TV Cultura. “Tenho capacidade de envolvimento com várias linguagens, mas a base de minha criação sempre foi a música”, conta ela, que também tem se firmado como artista solo e vislumbra o álbum que terá seu nome na capa. “Antes de morrer, meu pai queria produzir o que seria esse disco. Numa espécie de praga do bem, ele (a quem, lamentavelmante, foi atribuída a pecha de maldito) dizia para mim e para minha irmã, Serana, que as coisas seriam diferentes pra nós”, continua. “E são. Hoje, a minha batalha é me convencer da relevância da minha música. Quero entendê-la.”

Lua

Tendo Daniel Ganjaman (Instituto) como diretor musical da banda que a acompanha ao vivo, Luana Gorayeb, 27, a Lua, acaba de lançar o primeiro álbum, “Lua” (Ôlôko Records). “Ganjaman soube perfeitamente trazer o trabalho para o palco, buscando uma roupagem nova passando pelo reggae, R&B e Rock. O show tem arranjos novos, e está mais pesado do que o CD”, conta ela. O disco produzido por Alê Siqueira apresenta a interprete brasiliense em visitas ao repertório de Arnaldo Antunes, Cazuza, Carlinhos Brown, Zeca Baleiro e Nação Zumbi. “Partimos de uma lista de compositores que admiro muito”. Durante as gravações do álbum em estúdios da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, Edgard Scandurra, DJ Cia, Fernandinho Beat Box, Marcos Suzano, Funk Como Le Gusta e Lincoln Olivetti deram o ar da graça, assim como Lenine e BNegão, que dividem vocais com Lua em “Seres Tupy” e “Maracatú de Tiro Certeiro”, respectivamente. “É mais um time dos sonhos na minha vida”, comemora.

Marcia Castro

Saudosa da terra natal, Marcia Castro, 29, mudou-se recentemente. “Moro agora em São Paulo. A mudança é muito radical, o modo de ser paulista e baiano são extremamente diferentes. Além disso, tem a distância da família, dos amigos e do mar. Mas me sinto acolhida em São Paulo de todos os modos”, diz ela. Em meio às bagagens, Márcia trouxe “Pecadinho” (Prêmio Braskem de Cultura e Arte), álbum de estréia lançado em 2007. O CD é resultado do Prêmio Braskem de Cultura e Arte conquistado pela cantora no ano anterior. “É um dos mais importantes prêmios da música independente da Bahia. Existe, em todos os artistas que não têm álbum gravado, uma expectativa com relação ao Braskem. É uma possibilidade de gravar um bom trabalho sem tanto estresse com orçamento, com pagamento, enfim, essas coisas mais burocráticas de produção. Quando se grava com tranqüilidade, o resultado é outro”. “Pecadinho”, nome que remete a “Frevo (Pecadinho)”, música de Tom Zé e Tuzé de Abreu, que abre o disco, faz uma reflexão sobre marginalidade artística. “Comecei a escutar música dos anos 70 de compositores que também não entraram pesado no circuito comercial, como Tom Zé e Jorge Mautner. Isso acabou me instigando, fui atrás de outros, como Sérgio Sampaio e Itamar Assumpção. Tinha também uma necessidade de pensar nos compositores ditos como "malditos" como "marginais", ou seja, estavam à margem de um sistema de massa, e eu me sentia um pouco daquele modo em Salvador, especificamente”, conta ela, anfitriã, para citar alguns, de Zélia Duncan, em “Barulho”, e Arto Lindsay, na faixa “Medo”.

Beatriz Faria

Se depender da carioca por adoção Beatriz Faria, 29 (“Nasci no Distrito Federal, mas apenas nasci lá. Vim para o Rio de Janeiro com menos de seis meses”, informa), as redações perderam mais uma profissional. Formada em jornalismo, a filha de Paulinho da Viola abandonou as reportagens e a apreensão das cobranças por ser quem é. “Durante anos evitei fazer qualquer coisa ligada à música por receio. E hoje me arrependo profundamente do tempo que perdi com isso. Sei que as cobranças vão acontecer agora e no futuro, mas estou preparada para lidar com elas”. Prova disso é a intenção de Beatriz, em cartaz no Rio com a peça “Divina Elizeth”, espetáculo teatral sobre a vida de Elizeth Cardoso (1920 – 1990), de gravar composições pouco conhecidas do pai. “Na verdade, não queria que esse fosse o meu primeiro CD. Mas agora que já saiu em alguns lugares, tenho medo de não fazer e alguém roubar a idéia (risos). O repertório ainda não está fechado, mas será algo do tipo "lado B" de papai”, diz ela, que, antes do temor em encarar a atividade musical, foi desperta por outro pai e filha. ”Só fui pensar em ser cantora lá pelos 10, 11 anos, quando eu ouvi um LP do João Gilberto – “João Gilberto Prado Pereira de Oliveira” (1980) - com participação da Bebel Gilberto, ainda muito menina. Lembro de pensar: ‘quero fazer o que essa menina faz’”.

Karina Zeviani

A idéia de cidadã do mundo aplica-se bem a Karina Zeviani, 32. Natural de Jaboticabal, interior de São Paulo, a cantora viveu na Europa, onde trabalhou como modelo, e desde 2003 mora em Nova York. Foi lá que ela recebeu um e-mail que mudaria o panorama de sua estada na Big Apple. “Em 2005, eu recebi um e-mail do empresário do Thievery Corporation. Ele dizia que David Byrne [ex-Talking Heads] havia me indicado e pediu que eu mandasse algum MP3 e fotos, caso tivesse interesse em possivelmente sair em turnê com o grupo. Eu mandei e 30 minutos depois a produção ligou perguntando quando é que eu poderia ir para Washington encontrá-los. A turnê começou dali duas semanas”. Em paralelo às turnês com o grupo eletrônico norte- americano, Karina encontra tempo para gravar com o cultuado grupo francês Nouvelle Vague – sua participação poderá ser ouvida no próximo disco, a ser lançado em 2009 – e pensar no disco solo. “Tenho 18 faixas gravadas até agora, e continuo gravando músicas novas, sempre que estou em Nova York. Logo farei a seleção das que mais gosto para o disco”, conta. Recentemente, Karina esteve no Brasil e apresentou-se ao lado de Caetano Veloso, dentro do projeto “Obra em Progresso”, no Vivo Rio. ”A experiência de cantar com ele foi incrível e intensa, linda e divertida! Não sou de ficar nervosa antes de show, mas confesso que naquele dia eu fiquei”.

Comentários

Anônimo disse…
bacana a matéria. grande rodrigão!
Anônimo disse…
valeu, mestre! abs

Postagens mais visitadas deste blog

Escovinha ou função, um breve estudo sociológico

'Back in black' (1986), do Whodini; “I’m a ho!” é a quarta faixa do álbum Dia desses, no Facebook, o amigo Neco Gurgel postou uma música do Whodini, a clássica “I’m a ho!”. Nos bailes black de periferia, o refrão da faixa era conhecido e sobretudo cantado como “Desamarrou (e não amarrou)”. Paródias do tipo eram bastante comuns naqueles tempos, final dos anos 1970, começo dos 1980. Na tradução marota da rapaziada, o funk "Oops upside your head", da Gap Band, por exemplo, ficou informalmente eternizada como "Seu cu só sai de ré". Já “DJ innovator”, de Chubb Rock, era “Lagartixa na parede”- inclusive gravada, quase que simultaneamente, por NDee Naldinho, em 1988, como “Melô da lagartixa”. A música do Whodini, lançada em 1986, remete a um fenômeno que tomou as ruas do centro de São Paulo, e periferias vizinhas, antes da cultura hip hop se estabelecer de fato: o escovinha, também chamado de função. Em “Senhor tempo bom”, de 1996, os mestres Thaíde & DJ Hu