Passei grande parte da juventude em assembleia. Em intermináveis assembleias que tramavam derrubadas de governos, problemas para a polícia e constrangimento de generais diante de seus exércitos. E sofria. Pois, embora militasse em organizações punk de cunho anarquista, nunca tive coragem de anular o voto. Lembro que no auge das manifestações antimilitares e em prol do voto nulo de 1988, por exemplo, eu, completamente imerso nos protestos de rua em São Paulo e regiões vizinhas, era assombrado pela ideia de rasurar a antiga cédula eleitoral. O desconforto foi ainda maior em 1989, quando da primeira eleição direta para presidente da República desde o golpe militar de 1964.
Na minha babel ideológica particular, onde estrelavam Leon Trotsky, ensinamentos pacifistas do Redson (ah, o Cólera), Bakunin, Malcolm X, o conteúdo das revistas “Chiclete com Banana” e “Animal”, Sham 69, Marcus Garvey, as primeiras pesquisas sobre rastafarianismo (“Punky Reggae Party”, do Bob Marley, era a pegada), entre outros personagens díspares, acreditava que para o triunfo do nosso anarquismo planetário, a humanidade precisaria experimentar o socialismo nunca antes vivido. Era a história e seu constante processo. Os estágios da civilização. Portanto, debatendo com figuras mais sectárias (menos delirantes?) ou em silêncio, votei sempre em candidatos próximos ao meu eclético ideário. Em partidos ligados à minha condição de jovem, negro e proletário.
No decorrer dos anos, entretanto, as decepções vieram numa avalanche monumental. E, pior, a descrença risonha sussurrava, um a um, os burros n’água em meus ouvidos. Vez por outra, pra fazer graça, falando a sério, eu digo que gostaria de ser um completo alienado. Mas eis aí um dos meus fracassos mais evidentes. Não alardeio convicções políticas o tempo todo. Muito menos nas redes sociais. E não o faço exatamente por ser a política a grande força motriz da existência. A política e o sexo (mas disso se fala em outra hora). Todo ato é político e a alienação, que fetiche, fica no plano dos meus desejos irrealizáveis. No segundo turno das eleições de 2014, eu não estava no Brasil e acompanhar de fora o que acontecia aqui foi tema de uma certa angústia culpada. Ainda que Buenos Aires esteja siempre en mi corazón.
Mais um pleito eleitoral se avizinha e, sabemos, o cenário é tétrico. Portanto, sugiro que votem em quem melhor os representar, mesmo. Deixem o ódio, os rancores e as picuinhas de lado. Tenham em mente que toda a tragédia que se impôs, deu-se, em boa medida, pois o inimigo, pragmático ao extremo, estava na sala, no quarto de dormir, na cozinha. Convite formal, livre acesso e clareza de objetivo tem o inimigo. Os novos e estranhíssimos tempos pedem novas e criativas formas de mobilização, de luta – aliás, aviso, não faço a menor ideia de quais são elas. Só sei que com a chegada da maturidade, vencido o niilismo traumático, eu foi tomado de um, vejam só, imenso otimismo. Que tenhamos todos sorte e bastante discernimento nesta, ao modo Milionário & José Rico, longa estrada da vida. Por ora, às urnas, amigos. Façamos nelas, de fato, a diferença.
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