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O rock na Cidade Trabalho

Assino um dos textos do livro "Osasco jeito de ser arte e cultura", de Ricardo Aparecido Dias (org.), Eduardo Rodrigues e Ruben Pignatari, cuja tarde de autógrafos ocorre neste sábado, 31, às 16h, na Escola de Artes Cesar Antônio Salvi (rua Tenente Avelar Pires de Azevedo, 360), centro de Osasco. A capa é de Érico Birds. Posto aqui o meu batuque impresso na publicação.

O ROCK NA CIDADE TRABALHO

Osasco sempre teve bandas de rock. Não há muito registro de trabalhos autorais ao longo da década de 1960, porém, certamente, havia garotas e garotos com as atenções voltadas aos programas de TV da Jovem Guarda, ao tropicalismo e aos filmes juvenis exibidos nos cinemas: as plataformas de difusão do ritmo vindo dos EUA.
Por minha conta e risco, estabeleço como precursores locais o Mala Velha e o Centro da Terra. Criado em 1978, liderado pelo saudoso guitarrista e cantor Nivaldo Macróbios, o Mala Velha foi um dos primeiros grupos da região a incorporar a sonoridade punk. Era próximo do Made in Brazil, gravou um compacto homônimo, apresentou-se no programa “Boca Livre”, da TV Cultura, entre outras aventuras - isso até o AVC que vitimou Macróbios, em 2003. Já o Centro da Terra, de 1980, mais identificado ao hard rock, cuja liderança era do guitarrista e compositor Silvano Bergamo, circulou bastante por bares, casas de espetáculos e eventos temáticos até 2005. Outro grupo nascido no início dos anos 1980 é o Scória. Com influência dos primórdios do punk rock inglês e norte-americano, a banda teve inúmeras formações e, no momento, conta com ex-integrantes do Suco Gástrico SP e do Nifis Ácratas, figuras importantes do cenário interno. E além dele. Prova disso é o álbum “Brazil Punk Attack Collection” (1996), compilação que reúne Katastrofe Social, Extremamente Irritante, Suco Gástrico SP e Nifis Ácratas.
E ainda no terreno das coletâneas, outro título fundamental, de quase dez anos antes, é “Rock da Zona Oeste” (1988), com produção de Macróbios, Paulo Slap e J. Even. Nele, faixas assinadas por Perigo de Morte, Orgás, Reação Aosteus, Os Rapazes e Mala Velha. Do Reação Aosteus, inclusive, surge Thelio Romagnolo, músico, compositor e produtor, um dos mais icônicos agitadores culturais roqueiros do município. Já “A Divina Tragédia”, trilogia de álbuns inspirada em “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, também é iniciativa de um nativo de Osasco: Edson Lamansov, ex-integrante, entre outros grupos, do Katastrofe Social e do Baudelaire. O projeto, iniciado em 2018, lançou, em vinil, os volumes “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”, o último deles, editado em março de 2024. No decorrer dos LPs, músicas de bandas brasileiras - e uma russa - aficionadas por pós-punk e darkwave.
Os subgêneros do heavy metal - thrash, death, grindcore etc - disseram muito a uma certa meninada osasquense. E seguem dizendo. A partir dos anos 1980, a localidade serviu de incubadora para nomes como Antítese, Skullcrusher, Pentacrostic e Rot, todos com projeção no underground internacional. Uma das instituições da música pesada-extrema brasileira, o Vulcano, mesmo que santista, também tem raízes na Cidade Trabalho. Afinal, antes da mudança para o litoral paulista, em 1978, o guitarrista Zhema Rodero foi do obscuro Sangue Azul. E uma influente publicação alternativa, o zine metal-punk “United Forces” - recentemente com a produção registrada no livro “United Forces – revirando arquivos: 1986-1991" - era editada por Marcelo R. Batista, em Osasco.
Com fundação entre 1982 e 1983, os Grilos Barulhentos são essenciais ao cenário nacional de rockabilly. Estiveram nos programas televisivos “Boca Livre” e “Musikaos”, ambos da Cultura, e em uma das matérias do “Jornal da MTV”, além da abertura dos shows dos ingleses Guana Batz e do norte-americano Jerry Lee Lewis, em sua turnê no Brasil, em 1993, ao lado do paulistano Alex Valenzi. E, em meados da década de 1980, houve também grupos de skate-rock, como Introdução Dolorosa e Conexão Pizza – ambos reveladores do guitarrista Ricardo Ortega, que integrou o Orgânica e o Pavilhão 9. Além de figurar em videoclipes e fichas técnicas de álbuns dos rappers, Ortega apresentou-se na terceira edição do Rock in Rio, em 2001.
Dos anos 1990, duas bandas extintas são as minhas prediletas: La Carne e Gala Dalí. O La Carne contava com ex-integrantes do Agatha e exibia uma musicalidade, de acento pós-punk, muito particular. Passou pelo já citado “Musikaos”, da TV Cultura, gravou uma série de belos discos, caiu na estrada e arrebatou admiradoras e admiradores ilustres. No álbum derradeiro, "Volume 5”, o quarteto presta homenagem ao figuraça Gringo, em “Diógenes de Óz”. Com egressos do Antítese, Agatha e The Cure Cover, o psicodélico Gala Dalí, por sua vez, pregava “paz, amor e disco voador”, sob acordes que remetiam à MPB e ao rock viajante das décadas de 1960 e 1970. Suas apresentações ao vivo eram rituais bonitos de se ver. E ouvir.
O Cosmogonia, cuja primeira formação data de 1993, é reconhecido nacionalmente pela musicalidade punk/hardcore aliada ao discurso feminista.
Personagens do hit subterrâneo, “Caminha (q aqui é de Osasco)”, dos gaúchos do DeFalla, os Mickey Junkies, onde eu atuo como cantor e letrista, têm a trajetória, iniciada em 1991, revista em documentários (como “Time Will Burn”, de Marko Panayotis e Otavio Sousa, destaque da programação do In-Edit Brasil 2016 e “Guitar Days - An Unlikely Story of Brazilian Music”, de Caio Augusto Braga, vencedor nas categorias “melhor documentário” e “melhor direção de documentário” da edição 2018 do Festival Prêmios Latino del Cine y la Música da Espanha) e livros (“Magnéticos 90: a geração do rock brasileiro lançada em fita cassete”, de Gabriel Thomaz e Daniel Juca; “Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar - 50 causos e memórias do rock brasileiro [1993-2008]”, de Ricardo Alexandre; “Rcknrll”, Yury Hermuche; e “Planet Hemp: mantenha o respeito”, de Pedro de Luna). O NX Zero - que, após um recesso de cinco, tem corrido o Brasil em uma turnê frequentadora de estádios lotados - não é uma banda osasquense, mas muitos dos seus sucessos foram concebidos em um conjunto de prédios do Jardim Wilson – ou, na ótica especulativa imobiliária, Parque Continental. Afirmo isso com toda certeza, pois fui vizinho do instrumentista, compositor e cantor Gee Rocha. No auge da febre emo, o artista retirou-se do famoso bloco seis quando fãs menores de idade começaram a dar plantão em frente ao condomínio da avenida Franz Voegeli.
Criadores, produtores e performers de formação roqueira como Daniel Wergan, que mescla trabalho autoral e releituras; Pedro Ivo, o Droeee, com passagens por grupos como Dollflesh e o duo Diva Muffin; Glauco Felix, ex-Comespace e, atualmente, National; JJ Zen, vocalista do DNSM; e Alcides Honório Júnior, do NSLOD (No Space Left On Device), são gente de destaque nas microcenas que compõem a fauna musical. Assim como O Teatro Mágico, que, numa leitura apressada, pouco tem a ver com rock. Mas é muito rock’n’roll na defesa da arte que efetua.
Da novíssima safra, recomendo com entusiasmo o grupo Naimaculada, cujo vocalista e compositor, Ricardo Paes, é rebento de Sidney “Sapão” Lopes, frontman da veterana banda AllSapão. Por falar em pais e filhos, o baterista do “projeto antropofágico” fundado em 2021, Pietro Benedan, é um dos frutos do amor entre o casal Vivi Torrico e João Gordo, dos Ratos de Porão.

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