Pular para o conteúdo principal

Primeira dose


Faço 49 anos em setembro. Quando cheguei à casa das quatro décadas de existência, passei a alardear que, com a maturidade, tornara-me eu um otimista. Tudo jogo de cena. O que ocorre é um otimismo ressabiado fruto de intensa negociação comigo mesmo. Porém a afirmação funcionou em entrevistas e postagens aqui e acolá. Além de, claro, divertir gente do meu círculo mais íntimo: a proximidade evita a compra de súbitas mudanças de perspectiva. Todavia nem nos meus prognósticos mais apocalípticos havia a realidade tétrica experimentada atualmente. Desde o início da pandemia, a inércia do governo federal aniquilou 504.717 vidas. O Brasil é o pior dos mundos em tal contexto. E em outros tantos.  Basta acompanhar o noticiário. Aliviado pela primeira dose da vacina contra a covid-19 tomada no fim da manhã desta terça-feira, 22, não pude deixar o desalento e a revolta de lado. Segundos após a picada no ombro – mais precisamente na sola do pé de um Homem-Aranha tatuado -, a vacinadora deu algumas orientações e me parabenizou. Pressionando o algodão na pele, driblando a vontade de chorar, agradeci e disse que ela e a equipe ali presente eram o máximo. Quase abracei a profissional de saúde. Em direção à saída do posto, revolta e desalento. Ou melhor, profunda alegria, revolta e desalento. E o misto de emoções segue agitadíssimo. A segunda dose virá no mês em que celebro aniversário. Anseio por isso. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Escovinha ou função, um breve estudo sociológico

'Back in black' (1986), do Whodini; “I’m a ho!” é a quarta faixa do álbum Dia desses, no Facebook, o amigo Neco Gurgel postou uma música do Whodini, a clássica “I’m a ho!”. Nos bailes black de periferia, o refrão da faixa era conhecido e sobretudo cantado como “Desamarrou (e não amarrou)”. Paródias do tipo eram bastante comuns naqueles tempos, final dos anos 1970, começo dos 1980. Na tradução marota da rapaziada, o funk "Oops upside your head", da Gap Band, por exemplo, ficou informalmente eternizada como "Seu cu só sai de ré". Já “DJ innovator”, de Chubb Rock, era “Lagartixa na parede”- inclusive gravada, quase que simultaneamente, por NDee Naldinho, em 1988, como “Melô da lagartixa”. A música do Whodini, lançada em 1986, remete a um fenômeno que tomou as ruas do centro de São Paulo, e periferias vizinhas, antes da cultura hip hop se estabelecer de fato: o escovinha, também chamado de função. Em “Senhor tempo bom”, de 1996, os mestres Thaíde & DJ Hu