O hip-hop tem quatro décadas de existência. E, ao congregar oralidade, técnicas distintas de dança, modos - àquela altura - inéditos de produção e execução musicais, arte urbana e os anseios de negros e latinos na Nova York dos anos 1970, é uma das expressões da cultura jovem mais instigantes do século 20. A versão brasileira dessa linguagem deve muitíssimo a Nelson Triunfo.
Natural do município pernambucano do qual empresta o sobrenome artístico, radicado em São Paulo, o autointitulado híbrido de Luiz Gonzaga e James Brown já desfilava a icônica cabeleira pelos chamados bailes black setentistas. No vai e vem das pistas, o dançarino, MC e ativista social criou os grupos Black Soul Brothers e, posteriormente, Funk & Cia, um dos mais notórios do Brasil. A transição do funk soul para o que se tornaria o hip-hop tropical acontece exatamente nos passos coreografados de Triunfo e sua turma.
Nos estertores do regime militar – que prestou inúmeros desserviços ao país -, a Funk & Cia tomou as ruas do centro, mais precisamente o cruzamento da 24 de Maio com a Praça Dom José de Barros (onde, aliás, uma placa de granito, inaugurada em 2014, aponta o local como Marco Zero da cultura hip-hop nacional), e deu seu testemunho através da dança e das sonoridades emitidas pelos boomboxes (grandes aparelhos de som portáteis) – o que, evidentemente, foi alvo de intensa repressão pelos órgãos de segurança pública da época. “Chegávamos de surpresa. Começávamos a dançar e a multidão parava para assistir. Os nossos corpos falavam por nós. E a polícia, claro, não entendia nada daquilo”, diz ele. Nomes hoje referenciais de todas as gerações de MCs, grafiteiros, DJs e dançarinos foram impactados pelas performances de Triunfo, seja nas calçadas, na abertura da novela “Partido Alto” (1984), da Rede Globo, nos bailes de periferia, na mítica estação São Bento do metrô ou na atuação, a partir dos anos 1990, frente à Casa do hip-hop, em Diadema.
A trajetória do alter ego concebido por Nelson Gonçalves Campos Filho já rendeu biografia ("Nelson Triunfo: do sertão ao hip-hop", de Gilberto Yoshinaga), documentário (“Triunfo”, dirigido por Caue Angeli e Hernani Ramos) e uma série de oportunas homenagens em vida. A programação especial – com shows, oficinas e baile de rua – no Sesc 24 de Maio é mais uma das provas da relevância desse gigante gentil. Algo repleto de significados. Afinal, bem antes da inauguração da unidade, Triunfo estava lá: dançando na esquina, afirmando uma nova estética periférica e potencializando a voz dos excluídos. “A rua é o coração da cidade. Por onde corre o sangue. E cada um de nós é esse sangue”, afirma.
Texto batucado a convite da E Online, publicação do Sesc.
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