A memória, como ensinou Waly Salomão, é uma ilha de edição. Assim sendo, vamos lá: há exatos 25 anos os Mickey Junkies apresentavam-se pela primeira vez na extinta Dynamo. É o início oficial da banda. A estreia na capital paulista, após dois shows em festivais escolares na região de Osasco, na Grande São Paulo. Da apresentação propriamente dita, confesso, eu não lembro de nada. Só do pânico. O intenso temor em fracassar diante dos que circulavam comigo pelos chamados inferninhos alternativos da cidade. E, claro, da possível desaprovação dos headbangers habitués da casa. Sei que era aniversário do Jimi Hendrix. O que, num delírio de nerd roqueiro, aplacava um pouco o desejo de fugir e cancelar o compromisso. Minha oração de pavão tímido: “Ó, santo Jimi Hendrix, rogai por nós, pecadores.”
Era aniversário da Esther também, leio agora no flyer – ainda falava-se filipeta. Bela Esther, parceira de aventuras da querida acadêmica Inti Queiroz, nossa baixista (maestro André Satoshi, às voltas com o Exército Brasileiro, assumiria o posto em alguns meses). O Donkey Ass, grupo formado por, entre outros, Paulo “Chileno” Vega, Marcelo Frade, o inenarrável Conversadô, e Lemão, dividiu o palco conosco. A saudosa dona Helenice, mãe do grande Luiz Ferrante, o Punk Verde, foi quem, gentilmente, transportou a bateria. O instrumento estava na casa dos meus pais, onde ensaiávamos, vez por outra. Banda e agregados espremidos no meu quarto. O baterista era o Alexandre Carvalho (salve, Alê!). Que figura espetacular a dona Helenice – deixou a mim, os cascos e as ferragens na porta da Dynamo e voltou pra casa em pleno horário do rush – ainda havia o horário do rush. O filho punk, creio eu, foi de ônibus até a rua Doutor Vila Nova.
Meu irmão Rodrigo Brandão aka Gorila Urbano, que fundara a banda com Érico Birds, veio especialmente do Rio de Janeiro, onde estava morando, para assistir à estreia paulistana. Nossa musa e amiga Gisela Rodriguez, hoje escritora, também. Com ela, uma atriz de nome Maria Luísa Mendonça. Ao término da apresentação, ela me diria, exultante: “Nossa, Carneiro, você domina o palco. Tem toda uma expressão cênica”. Mal sabia a bondosa Maria Luísa que a performance era reflexo do mais puro e intenso pânico. "Foram uns 20 minutos de show. Sem pausa", me informa o Birds pelo WhatsApp. Quem lá estava aprovou e pediu por mais.
Estou tentando recordar de outros episódios da noite daquela quarta-feira: um vazamento de água. A surpreendente troca de tapas entre um casal até então tranquilo. Os relatos de um europeu maluco. Ministry e Prong nos alto-falantes. A animação da garotada, nós, em frente ao estabelecimento. A memória afetiva em edição constante. A certeza é a de que duas décadas e meia se passaram. E, o melhor de tudo, estamos em plena atividade. Meus parabéns pela data, amadíssimos amigos. Agradeço-os por todas as experiências vivenciadas. Façamos rock'n'soul e outros bichos.
Com todo o amor,
Rodrigo Carneiro
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