Pular para o conteúdo principal
"Eu vi um show do Mickey Junkies no Hells. Desfile da Ad Libitum, do Anderson Rubbo. E todo mundo tomou doce, a Keila desfilou de mulher maravilha. Sensacional, você há de convir. Em pleno embrião do que seria o catalizador da cultura eletrônica brasileira, acontecer um show de rock... 95?", escreveu o músico, compositor e produtor Adriano Cintra, em 2003. Como de hábito, um ótimo texto. Eis a íntegra.

"Segunda-feira, Junho 02, 2003:

Domingo fomos no Hangar. Eu, Amanda, Milena, Carol, Dora, cAna. As dircinhas, dirce power. Gosto do Hangar. Me lembra o Aeroanta no comecinho dos anos 90, aquela coisa meio longe de tudo, com palco grande. Tá certo que o Aeroanta era mais "transado", o Hangar é praticamente um squat. Mas tá bom, vai. Melhor que ir na Loca. Uh. Que nojinho, que fedor, quanta gente feia reunida no mesmo lugar, uma maravilha de verdade.

Estava acontecendo um festival chamado AllGrrls, ou qualquer coisa parecida com isso. Parece que a Cherry que tava organizando, sábado até tocou Okotô, que raiva que eu não fui. Okotô é bom demais. Podreira do mais fino quilate, lembro do final dos anos 80 quando eles ainda tocavam um pop japonista e sempre iam no TV Mix, na Gazeta, que tinha uma Astrid Fontenelle novinha e descolada apresentando. Daí nos anos noventa eles lançaram um cd chamado Monstro e tocavam quase todos os finais de semana. Projeto SP, Garage Rock, Aeroanta, Britânia, Der Tempel, Espaço Columbia, Black Jack, Aze 70, esses lugares onde todo mundo ia. E onde tocavam todas aquelas bandas que nem sabiam muito bem o que estavam fazendo mas faziam muito bem. Garage Fuzz, Pin Ups, Mickey Junkies, Killing Chainsaw, IML, Pavilhão 9, Tube Screamers, Cangurus in Tilt. Ratos de Porão. Sigrid Ingrid. Korzus. DISK PUTAS. Caralho. DISK PUTAS. Acho que essa era terminou quando derrubaram todas as casas da Miguel Isasa pra alongarem a Faria Lima. Kurt Cobain se matou. Acabou o Aeroanta. Os anos 90 murcharam por volta de 95.

No começo, tinha o São Paulo e o NY (dois bares que ficavam na mesma ruela, paralela à Rua Estados Unidos perto da Augusta). Depois, Super Bacana e Jungle. Depois teve o que? Ursa Maior? Galpão Paparazzi? Sra. Krawitz? Samanta Santa? Hells? Eu vi um show do Mickey Junkies no Hells. Desfile da Ad Libitum, do Anderson Rubbo. E todo mundo tomou doce, a Keila desfilou de mulher maravilha. Sensacional, você há de convir. Em pleno embrião do que seria o catalizador da cultura eletrônica brasileira, acontecer um show de rock... 95? Acho que sim, naquela época as pessoas não sabiam muito bem o que estava acontecendo. A Ana nem era dj, ainda era metaleira e de vez em quando algum dj tocava um remix do Blur por lá. MauMau soltava uns Public Enemies e Beastie Boys. Éramos mais felizes, acho. Ignorance is bliss, diz aquele ditado iânque desgraçado. Saíamos de terça a domingo. Columbia, Latino, Latino, Latino, Columbia, Latino. Às vezes íamos na Sound Factory, onde podíamos entrar de graça com nossa carteirinha do Hells. Nos davam bebida. Fizeram uma ala vip pra nos acomodar. Isabel de Messina ia conosco. "Alguién bíu mi motorista?" Ela sempre levava e perdia o motorista nas baladas. E era difícil encontrar o motorista dela na Sound Factory. E nessa época teve show dos Beastie Boys no Olympia. Muita anfetamina pra aguentar essa rotina. Enibex. Anfepramona. A Fera do Mar me dava umas bolinhas, a Paula também. Furei o septo, a língua e o lábio. Trabalhava das nove às seis, fazia academia das seis às oito da manhã. E como todos queriam sair sete dias por semana, o Pil inventou de fazer o Liquid, de segunda feira, no Latino. Eu ia. Pelo menos nas quatro vezes que rolou. E todo mundo pensava "oba, tem hells segunda feira." E eu saía de lá e ia direto pra academia e pro trabalho depois. E eu ia a pé, da Paulista até a Praça Panamericana.

A Lou das Mercenárias abriu a Circus onde era a Ursa Maior. Maior bad trip de ácido da minha vida, tive alucinações visuais pesadíssimas. Fiquei virado dois dias seguidos e quando a bola baixou, fui assistir Pulp Fiction no Iguatemi. E o Retrô reabriu na Fortunato. Roberto Cotrim, batalhador do roque, morava lá no sótão com a família e o cachorro. O Ultrasom tocou lá uma vez. 96. Fomos passar o som e no meio da pista tinha uma máquina de lavar, soltando água com espuma, onde mais tarde, umas quatrocentas pessoas iam vomitar coquinho. Um setter inglês corria feliz pelo palco, pulando, latindo, mijando em todos os cantos. Guerreiro esse Roberto Cotrim. E lá tinha festa da Andréa Gram, Club Alien. Roberta ficava na porta com Marina. Marina tinha nojo de ficar na pista porque chovia suor. Fenômenos da física clubber. E tudo foi indo. Ana casou com Davi, saiu da porta do Hells, virou dj e formou o PetDuo. Mercado Mundo Mix. Florestta. Torre do Dr. Zero. Drum'n'Bass na Penha. Marky Mark no Hells. Raves. Acabou o Hells. E os anos 90 que haviam terminado em 95 acabaram de novo.

Confuso, deveras. "

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Escovinha ou função, um breve estudo sociológico

'Back in black' (1986), do Whodini; “I’m a ho!” é a quarta faixa do álbum Dia desses, no Facebook, o amigo Neco Gurgel postou uma música do Whodini, a clássica “I’m a ho!”. Nos bailes black de periferia, o refrão da faixa era conhecido e sobretudo cantado como “Desamarrou (e não amarrou)”. Paródias do tipo eram bastante comuns naqueles tempos, final dos anos 1970, começo dos 1980. Na tradução marota da rapaziada, o funk "Oops upside your head", da Gap Band, por exemplo, ficou informalmente eternizada como "Seu cu só sai de ré". Já “DJ innovator”, de Chubb Rock, era “Lagartixa na parede”- inclusive gravada, quase que simultaneamente, por NDee Naldinho, em 1988, como “Melô da lagartixa”. A música do Whodini, lançada em 1986, remete a um fenômeno que tomou as ruas do centro de São Paulo, e periferias vizinhas, antes da cultura hip hop se estabelecer de fato: o escovinha, também chamado de função. Em “Senhor tempo bom”, de 1996, os mestres Thaíde & DJ Hu